Dr. José Kormann (Histórias da História)
Historiador
1. Isso começou aqui em São Bento mesmo. Era o terceiro ano do Ensino Médio. As duas últimas aulas de sexta-feira. Todos já só queriam saber de sair, o quanto antes. Havia muitos compromissos sociais a satisfazer. Mas um aluno tímido, quase raquítico, teve a ousadia de pedir mais tarefas, mais matéria a se estudar, e faltou pouco para que fosse agredido. Geralmente bons alunos não são bem vistos por seus colegas medíocres.
O professor o atendeu em particular. E o aluno, ainda mais tímido do que antes desse fato, lhe disse: “Meu pai está morto, minha mãe está num hospício e eu sou bem do interior; trabalho aqui numa fábrica, recebo Salário Mínimo, pago pensão e segundo meus objetivos de vida eu preciso fazer curso superior na Federal - só por ser gratuita”.
Em São Bento do Sul então ainda não havia curso superior. Para conseguir uma vaga na Federal, quase todos faziam um curso preparatório ao vestibular. Este aluno pobre não teria quem lhe pagasse o dito curso, mas com a ajuda do professor ele passou e ingressou. Para sobreviver trabalhava ao meio dia, à noite e finais de semana como garçom. É sempre assim: quem tem metas de vida, não vê os espinhos a seus pés, mas as flores no além caminho. Alguns anos depois o professor recebeu uma linda correspondência. Foi lá da Nasa, onde hoje ele está como um dos maiores cientistas. Vários jornais já publicaram sua biografia.
2. Psicóloga Clarice Leal contou um caso muito singular: havia, por aí, um casal cujo marido fazia a faculdade de Direito. Sua esposa trabalhava só por ele. Ela lavava roupas, costurava, fazia bordados, crochê, tricô e tudo o que ela podia fazer. Ajuntava o dinheiro e o dava, todo, ao marido – só para que ele ficasse advogado. Era ele todo o orgulho dela. E, na palestra, Clarice Leal disse: “Este ano é a formatura dele, mas quem vai dançar a valsa da formatura já é outra e não mais a sua primeira esposa”. Uma professora, presente à palestra, gritou alto: “Eu mataria este porco ingrato e traidor”. E a Clarice Leal retrucou: “Ele errou, mas vamos falar do erro dela: quando se constrói um prédio ele é ladeado de andaimes. Quando a construção está pronta, tiram o andaime e jogam-no fora. Assim há pessoas que têm um verdadeiro complexo de andaime: trabalham e só trabalham para os outros e depois são inutilizadas”. É preciso não se esquecer de si: mas amar ao próximo com a si mesmo.
3. O barbeiro trabalhava a cabeça do freguês, enquanto dizia que Deus não existe; pois que Deus seria este que deixa os inocentes morrerem de fome, deixa crianças pobrezinhas serem trucidadas na guerra e os cataclismos naturais destruírem de maneira tão cruel milhares e milhares de vidas. O freguês não concordava com tudo isso, mas não achava os argumentos necessários para convencer seu oponente, mas terminado o serviço pagou a conta e, meio transtornado, saiu, mesmo esquecendo-se da despedida, mas quando já estava na rua o estalo apareceu e ele imediatamente voltou e disse ao barbeiro: “Barbeiros também não existem. Veja quantos barbudos e cabeludos andam pelas ruas. Isso é por os barbeiros não existem mesmo”. E o barbeiro, já nervoso: “Eu estou aqui, mas eles é que não me procuram”. E o freguês: “Deus também sempre está aqui. E quantos o procuram!? Hein?”.
4. E aquelas duas empregadas domésticas que começaram a estudar à noite. Era um colégio particular e só gente grã-fina que ali estudava. Sofreram muito com o descaso dos demais. Tiveram dificuldades para comprar seu material e pagar as mensalidades. Uma desistiu de estudar para poder acompanhar a moda. A outro continuou firma. Hoje uma é médica e a outra é solteirona, chorona e vivendo bem pobrezinha. Deus dá a todos por igual.