Dr. José Kormann (Histórias da História)
Historiador
- Uma guerra de extermínio, sem diálogo -
1. A Guerra do Contestado não foi a simplicidade de caboclos mal educados que, em forma de bandidos, resolveram atacar os civilizados, na categoria de bárbaros. Foram, isso sim, revoltados contra a ordem social de exclusão social a que foram submetidos sem lhes dar a mínima oportunidade de defesa legal perante os tribunais.
2. Toda situação político-social-cultural foi desfavorável ao pobre caboclo do sertão. Nem sabiam e nem conseguiram saber se eram catarinenses ou paranaenses, eram os excluídos de verdadeira cidadania.
3. Para eles não havia assistência religiosa de qualquer espécie. Ali não havia padres ou pastores. Não havia quem lhes batizasse os filhos, nem quem lhes preparasse para a Eucaristia. Nem Eucaristia existia ali. Eram os excluídos da religião.
4. A República fora proclamada sem consulta popular. Nunca na cidade, e muito menos nos sertões, a população fora ouvida - assim, não é de admirar que tivessem proclamado, nos sertões de Santa Catarina, a monarquia contra a República que, mais do que nunca, os excluía. Eram os excluídos políticos.
5. Justiça, naqueles cafundós, era a lei dos mais fortes. Para obtê-la, a seu modo, o jeito era os fracos se unirem em torno de um líder, pois é a união que faz a força. Só assim conseguiram a sua justiça. A justiça à moda cabocla sob a luz de costumes, lendas, crenças, visões e manipulações de vários líderes. Para eles, naquele fundo de mata, era ainda melhor estar mal acompanhado do que só, pois eram os excluídos de toda justiça.
6. Todos deles se aproveitavam: os coronéis, as grandes empresas que o governo federal permitia que se instalassem e explorassem a rica mata da araucária e os governos estaduais de Santa Catarina e do Paraná que bitaxavam os produtos, pois cada um se julgava dono do pedaço e cada qual deles queria cobrar o seu. Eles eram os excluídos de qualquer proteção.
7. A Estrada de Ferro de Porto União a Marcelino Ramos os expulsou de suas terras a 15 quilômetros de cada lado dos trilhos por ordem do governo federal, pois a lei para eles não existia, eram os excluídos de toda legalidade: todos sobre eles podiam exercer a sua arbitrariedade.
8. Nos acampamentos, reunidos sob seu líder, rezavam, cantavam, faziam suas procissões e nada de mal faziam a qualquer pessoa que fosse, mas um político local resolveu denunciá-los como inimigos da República, pois quem fizesse tal denúncia, sem dúvida, teria bom respaldo político governamental. Se isso era desumano, que importava? Eram a ralé que já não mais interessava à sociedade.
9. O governo de Santa Catarina, após a denúncia, mandou-os ao Paraná. É tão fácil transferir os problemas: para uns a fama de político inteligente que tudo resolve tão facilmente. Mas o Paraná os viu como invasores catarinenses que queriam apossar-se de seu território contestado no Supremo Tribunal Federal e resolveu dar uma lição aos "catarinenses magrelas", pois eram da escória social.
10. Deu-se a batalha que ficou sem vencedor. O monge tombou e o capitão João Gualberto, comandante da Polícia Militar do Paraná, também. Os paranaenses voltaram derrotados a Curitiba e os seguidores do monge morto, sem ter para onde ir, voltaram aos sertões de Santa Catarina, onde eram alimentados por um rico comerciante e fazendeiro. Todo dia rezavam, cantavam e ouviam pregações. Depois das orações olhavam para o céu e viam o monge. Quem não o via apanhava até o ver.
11. Finalmente veio o Exército federal com metralhadoras, canhões, aviões e fuzis. Veio para dar uma lição aos caboclos de "São João Maria", ao "Exército encantado de São Sebastião" que nasceu do sebastianismo que se originou do desaparecido Rei D. Sebastião de Portugal. Quem dos caboclos não morria na luta, era degolado depois; pois para os vencedores eles não eram brasileiros, "mas jagunços inimigos do Brasil".
12. O único militar que entendia os caboclos e estava conseguindo a paz era o capitão Matos Costa, mas tombou sem vida e assim a guerra de extermínio campeou livre e nela os caboclos levaram a pior.
13. Era a luta de quem mais podia contra quem menos podia e que também não se rendia. A uma autoridade que lhes fez proposta de paz, um dos comandantes rebeldes respondeu: "Um porco antes de matá-lo a gente o engorda".
14. Era a Canudos catarinense, porém em âmbito bem maior. Eram brasileiros mortos por brasileiros porque brasileiros não sabiam resolver os problemas de brasileiros. Em um governo que de governo só entendia a força. Era um grave problemas social que não encontrou nas ciências sociais a solução de seu dilema. Faltou amor, faltou afeto, faltou compreensão.