Dr. José Kormann (Histórias da História)
Historiador
Professora 100%
Férias, finais de semana, feriados ou outra folga qualquer, eram um pesadelo. A professora Victória não se cansava de esperar a hora de dar aula. As aulas para ela eram uma verdadeira festa. É por isso que as crianças também gostavam tanto das aulas e com ela aprendiam tão bem. Ir para a escola era gostoso porque ia com as crianças. No recreio havia muitas brincadeiras de todos os tipos, tantas cantigas de roda e muitas outras coisas bonitas. Ao ir para casa passavam por um verdadeiro túnel de mimoseiras - no tempo das frutas, então, era aquela festa. Trabalhou 21 anos em Rio Natal e só um aluno não aprendeu a ler e escrever e, em todo este tempo, só uma mãe foi até a escola para reclamar. Era uma escola multisseriada. Lá aprendiam de tudo: história, geografia, matemática, plantar, colher, cultivar flores, etc.
Vida de dona Victória
Ao entrar na escola, em três meses já passou para o segundo ano escolar. É que ela já sabia ler e escrever. Aprendeu em casa com sua mãe. Naquela escola só se estudava até o terceiro ano. Insistiu muito com o pai para que pudesse continuar seus estudos. Jurou não onerar o pai com essas atividades intelectuais. Assim conseguiu estudar no Grupo Escolar Orestes Guimarães. Certo dia, para não causar despesas ao pai, desfilou com uniforme emprestado. Fez o Curso Normal Regional e conseguiu ser professora em Rio Natal. Depois teve que fazer um curso em Mafra por três anos, sempre em janeiro, fevereiro e julho – o dia inteiro. Foi um sofrimento. Seu marido, Ambrósio Ruda, fez, nesses tempos, o papel de marido, pai e mãe. Os filhos, então, já eram numerosos. Eram tempos difíceis, mas que deixaram saudades. Quantas vezes, ao chegar em casa, trabalhava até meia noite ou mais - e já cedo, ainda escuro naquelas matas, tinha que sair de casa, e andava ainda dormindo por aqueles caminhos ermos e sempre rezando. Um dia ela e seu marido andaram 34 km , somados ida e volta, à procura de um dentista. No dia seguinte ela foi levada até a escola, pois mal e mal conseguia andar.
A professora Victória em São Bento
Ela sempre pensava: não vou poder dar herança aos meus dez filhos, mas vou dar-lhes bom estudo. Assim a família conseguiu vir para a cidade. Por primeiro ela trabalhou na Vila Progresso, na escola Osny Vasconcellos. Foi um novo sofrimento: abandonar seu Rio Natal querido de tantas boas lembranças; uma escola não multisseriada e de costumes tão diferentes; mas tudo foi vencido como tantas outras coisas já haviam sido. Depois foi trabalhar na escola Castelo Branco. Ainda fez concurso estadual e foi ser professora também nestas escolas; na João Ropelato chegou ao cargo de diretora. Hoje está aposentada, mas ativa e plena de vivacidade.
Algumas curiosidades
A professora Victória diz que o mundo caminhou por eras, as mais diversas e hoje chegamos à Era dos Projetos. Parece que nada mais se pode fazer sem projeto. Não há mais respostas prontas às necessidades que surgem. Sofre-se de projetices. Isso até parece chique. Uma curiosidade tétrica foi que no dia do sepultamento de seu pai ela foi obrigada, pela diretora da escola, a dar aulas. Que alguém se atrevesse a fazer isso hoje!? Ai, ai, ai... Em São Bento ela trabalhava de manhã, de tarde e de noite fazia o serviço de dona de casa e mãe de família. Muita coisa o marido Ambrosio fazia; pois se atrás de todo grande homem existe uma grande mulher, o inverso também é verdadeiro, ou seja, atrás de toda grande mulher há um grande homem.