Dr. José Kormann (Histórias da História)
Historiador
Com 11 anos ela foi pedida em casamento
Ela nasceu a 26 de fevereiro de 1948 em Rio do Campo, vila de Santa Maria. Lá mesmo, em Rio do Campo, ela frequentou um colégio de freiras. Aprendia na marra, através de surras. Quando apanhava na escola ficava bem quietinha em casa para que os pais não descobrissem, senão seria mais uma surra em casa. Mas, apesar de tudo, ela gostava das freiras e aprendia bem com elas. Quando ela tinha 11 anos de idade, os pais faleceram no mesmo ano. O pai era alcoólatra e isso o fez morrer cedo. Seu marido, Agenor Nunes, era seu vizinho e quando ela tinha apenas 11 anos de idade e já era órfã de pai e mãe a pediu em casamento, mas ela o xingou, dizendo que ele deveria procurar uma da idade dele.
Treze bugios numa só caçada
Antes de os pais falecerem, foram morar na localidade de Caçador em Rio do Campo. Era bem no mato. Lá comiam muito bem. Tinham muita carne de caça, à vontade mesmo. Além disso, tinham um bom canavial do qual conseguiam açúcar e melado - também produziam farinha de mandioca. Um dia ela e seu irmão subiram um morro muito grande pela mata virgem em que havia muitos espinhos, espinhos terríveis, mas lá no alto o irmão dela matou treze bugios. Arrastaram estes bugios até em casa e fizeram charque, que deu para muito tempo. Mas saíram de lá porque no alto do morro havia uma pedra muito grande e o pai ficou com medo de que ela poderia rolar e esmagar a família inteira.
Tempos terríveis
Depois que seus pais faleceram, vieram os tempos terríveis. Passaram fome. Muita fome. Ela, com onze anos de idade, passou a ser dona de casa e tomava conta da irmã mais nova. Um dos irmãos bebia e, quando chegava bêbado em casa, batia nela. As irmãs mais velhas, inclusive uma ex-freira, já fora de casa, não davam o mínimo apoio. Com isso, ainda em tenra idade resolveu casar, aceitando o pedido de casamento de Agenor Nunes, que muito a apoiou. Mas, fruto desse grande sofrimento, ela caiu em profunda depressão aos 28 anos de idade, mas com a ajuda do marido a tudo superou. Primeiro, após o casamento, trabalharam na roça em Rio do Campo. Depois, em 1982, vieram a São Bento do Sul. Ele foi trabalhar na Plasbe e, mais tarde, na Oxford S/A Indústria e Comércio - aqui, em São Bento, criaram cinco filhos: três filhos e duas filhas.
Revendo tempos idos
Hoje, Dorotea Alves Nunes, olhando para trás, se lembra de tantas coisas que certamente daria um livro bonito. Livro de vida. Na escola, apesar da pedagogia do chicote, ela aprendia bem. E como gostaria de continuar os estudos, mas não houve oportunidades. Com muita tenra idade já lavava a roupa da família. Mostra, com alegria, o seu bisneto dormindo na poltrona e diz que no mundo de antigamente havia tanta dificuldade e hoje tanta facilidade de estudo. Todos têm chance e tão poucos aproveitam. Diz ela que a verdadeira educação vem do lar e o serviço da escola é complementar, mas muitos pais não cumprem seu dever e depois querem que a escola faça a parte que os pais não fazem.
Ela como pessoa
É mulher alegre. Tem a casa cheia de filhos, cunhados, netos e bisnetos – seu marido, Agenor Nunes, às voltas com a casa que quer melhorar para toda a família. Ela é muito religiosa. Quando pequena ia muito longe, a pé, para chegar à igreja. Ela gosta de ler. Lembra-se do tempo em que toda a roupa do corpo era feita de sacos. Sabe contar histórias dos tempos de antanho como quando a empregada matou a patroa com o veneno da planta comigo-ninguém-pode, para poder ficar com o marido dela. Apesar de tudo que ela passou, está bem disposta, alegre e feliz. Um belo exemplo para todos.