Dr. José Kormann (A História da Câmara de São Bento do Sul)
Historiador
Getúlio, agora, democrata
Getúlio, deposto em 1945, voltou, como ele dizia, “nos braços do povo”. Ganhou a eleição com seu partido, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Nasceu aí, e cresceu aos poucos e forte, o populismo no Brasil e do qual a Câmara de São Bento do Sul, como a maioria delas por este imenso Brasil a fora, sofreu e sofre seus efeitos até hoje e certamente ainda continuará por mais tempo caminhando assim ao longo da História.
Era agora um Getúlio Vargas diferente: não mais ditador, mas democrata realizando fielmente o programa da esquerda brasileira pela qual o tenentismo tanto trabalhara e até derramara seu sangue juvenil em várias revoltas que assolaram o solo brasileiro. Foi por isso, por apoiar o trabalhismo e o nacionalismo, que sofreu forte oposição da situação vigente.
Getúlio governou até 24/08/1954 quando então cometeu o suicídio e o quinquênio foi completado, sucessivamente, por João Café Filho - seu vice e sindicalista, Carlos Luz – presidente da Câmara dos Deputados, depois Nereu Ramos – presidente do Senado Federal e o único Presidente da República que foi catarinense, até o presente momento.
Uma legislatura e pouco
As eleições para a nova legislatura foram realizadas no dia 03 de outubro de 1950 e a posse aconteceu a 06 de fevereiro de 1951. Estas eleições foram bem tranquilas, até mesmo porque o Presidente Dutra deixara um clima de paz e tranquilidade em todo País, adocicado por um progresso econômico muito animador e o mesmo se pode dizer do Prefeito são-bentense anterior, Henrique Schwarz.
Foram eleitos os seguintes vereadores: Emílio Engel, Afonso Zipperer, Mário Murara, Eugênio Ferreira de Lima, Ewaldo Antônio Buschle, Engelberto Grossl e Henrique Schwarz.
E os seguintes suplentes dessa legislatura: Ernesto Venera dos Santos, Renato Cubas de Lacerda, Francisco Kobs, Francisco Rückl, Paulo Fendrich e Francisco Gery Kamiensky. Todos estes assumiram, temporariamente, o mandato de vereador por ocasião da licenciatura de titulares.
Durante essa legislatura houve a sucessão de quatro mesas diretoras da Câmara Municipal, assim compostas:
1ª 06/02/1951. Presidente: Emílio Engel; Vice-Presidente: Afonso Zipperer; Primeiro Secretário: Mário Murara; Segundo Secretário: Eugênio Ferreira de Lima.
2ª 05/02/1952. Presidente: Emílio Engel; Vice-Presidente: Engelberto Grossl; Primeiro Secretário: Eugênio Ferreira de Lima; Segundo Secretário: Mário Murara.
3ª 04/02/1953. Presidente: Emílio Engel; Vice-Presidente: Ernesto Venera dos Santos; Primeiro Secretário: Henrique Schwarz; Segundo Secretário: Francisco Kobs.
4ª 02/02/1954. Presidente: Emílio Engel; Vice-Presidente: Ernesto Venera dos Santos; Primeiro Secretário: Francisco Kobs; Segundo Secretário: Engelberto Grossl.
Curiosa então já era a participação de rionegrinhenses na composição desta Câmara Municipal e de outras anteriores, visto que Rio Negrinho então ainda era parte integrante do Município de São Bento do Sul, sendo eles: Emílio Engel, Mario Murara, Eugênio Ferreira de Lima, Francisco Gery Kamiensky, engelberto Grossl, Martim Zipperer e Jorge Zipperer.
Situação política local
Foi nesta época que os conflitos políticos brasileiros perderam muito, ou quase totalmente, seu caráter local e passaram a ter conotação nacional. Em São Bento do Sul também foi isso que aconteceu.
A UDN (União Democrática Nacional), partido político que representava a direita, o conservadorismo do antigo Partido Conservador do Império ou, o popular partido alemão dos imigrantes. Já o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), de Getúlio Vargas, encarnava o liberalismo, a esquerda, ou seja, o partido caboclo dos primeiros tempos de São Bento do Sul, porém bem mais acirrado, visto que Getúlio até restitui à legalidade o Partido Comunista o que, na época, era verdadeiramente assustador para muitos e foi um dos elementos da revolta contra Getúlio por parte da UDN.
Além disso, havia, de entremeio, o PRP (Partido da Representação Popular) extrato do antigo Integralismo de Plínio Salgado e ferrenho inimigo do comunismo e que, em São Bento do Sul, tinha como seu representante máximo o professor, escritor e jornalista Ernesto Venera dos Santos.
Foi neste clima de agitação e insegurança política que esta Câmara e o Prefeito Alfredo Diener começaram seu mandato e o sentiram terrivelmente nos acontecimentos subsequentes.
Dois acontecimentos que marcaram esta legislatura
1 – A 23 de dezembro de 1953 foi criado o Município de Rio Negrinho, desmembrado do de São Bento do Sul.
Com esse desmembramento São Bento do Sul ficou reduzido a menos da metade de seu tamanho anterior. Rio Negrinho ficou com 529 km2 e a São Bento do Sul couberam 487 Km2. Hoje Rio Negrinho, com anexação de Águas Claras e novas medidas, possui 908,09 Km2. Mas como se deu a criação deste município?
Isso foi tudo muito rápido. No dia 01 de dezembro de 1953 foi lido na Câmara de São Bento do Sul um parecer do cidadão Luiz Guinther (não vereador) sobre a possibilidade de se criar o Município de Rio Negrinho. Já no mesmo dia o Vereador são-bentense Henrique Schwarz apresentou à Câmara um projeto segundo o qual se criaria o dito Município de Rio Negrinho. Discutido o assunto, a Câmara decidiu que deveria haver a livre manifestação da vontade do povo de lá. Em apenas dez dias foram colhidas, em Rio Negrinho, 1.482 assinaturas num população que mal e mal chegava a 5.000 habitantes. Por Lei Municipal Nº 25 de 13 de dezembro de 1953 foi desanexada a área que deu origem ao Município de Rio Negrinho e já a 30 de dezembro do mesmo ano ele foi oficialmente criado.
2 – A 24 de agosto de 1954 aconteceu o suicídio, a tiro, do Presidente Getúlio Dorneles Vargas. O conservadorismo da UDN foi considerado um dos principais responsáveis pelo turbulento incidente. O Prefeito Alfredo Diener e a maioria da Câmara eram desse partido e pagaram parcela disso, mas felizmente eram maioria e assim trabalharam em perfeito uníssono e dessa forma venceram o turbilhão que se estendeu por três sucessores de Getuúlio: Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos.
Casos curiosos
Como já registramos, foi nesta legislatura que em São Bento do Sul também, como no Brasil todo, tomou-se mais, pelo menos um pouco mais, uma consciência nacional das coisas políticas. Até lá Santa Catarina, especialmente Santa Catarina, era um estado municipalista. Quer dizer que o catarinense dificilmente dizia eu sou catarinense, mas ele dizia seu município. Assim: eu sou joinvillense, sou brusquense, sou blumenauense, sou são-bentense, etc. Era isso um claro indício de que o município era, para o catarinense, mais importante do que estado.
E sob isso havia mais.
Quando um grupo de são-bentenses, certa vez, visitou Rio de Janeiro, então ainda capital do Brasil, foram inquiridos por sua origem e um deles respondeu convicto e orgulhoso: “Eu sou da Schramm”. Era tão bairrista que apenas citou sua rua, hoje Bairro Schramm, e não sua cidade e muito menos seu estado que deveria ser o primeiro a ser citado.
Houve também um caso curioso em que um órgão público municipal da educação não queria aceitar uma lei federal. Foram obrigados, os prejudicados, a recorrer a instâncias superiores para terem seus direitos atendidos; pois entendiam os mandantes que a lei local seria superior a nacional.
Houve o caso do vereador dos primeiros tempos que se rebelou contra a norma de, na Câmara Municipal, os escritos e a fala serem obrigatoriamente em língua nacional. Achava, ele, que era alemão e assim tinha o direito ao idioma de seu país e que os outros imigrantes também o poderiam fazer em vernáculo próprio. Sendo que se o dito vereador fosse de nacionalidade alemã, nem cargo eletivo ele poderia ocupar.
Aconteceu ainda, mas logo coibido, o ato de um vereador querer reformar a Constituição Federal pelo fato, segundo ele, de algumas cláusulas dela não serem propícias à realidade municipal de São Bento do Sul.
Uma lorota sobre Getúlio Vargas aplicada a políticos são-bentenses
Com a morte do Presidente Getúlio, a UDN, partido forte em São Bento do Sul, viu-se em maus lençóis. Mas como os adversários pouco ou quase nada conseguiram fazer contra os udenistas, pois eram a maioria no poder e bem unidos, inventaram várias piadas, talvez adaptadas de outros tempos e de outros lugares, como geralmente no Brasil se faz em detrimento dos adversários desde a época da Independência em que atacaram os portugueses por meio de piadas.
Assim, diziam, que quando Getúlio chegou ao céu o fizeram sentar num enorme salão para esperar a suprema decisão. De repente ele viu que no teto e nas paredes havia milhares de relógios. Alguns parados, mas todos os outros com seus ponteiros em movimentos totalmente diversificados. Uns andavam muito rápidos e outros bem lentamente.
Getúlio, então, perguntou a um anjo o que significava aquilo e este, de pronto, respondeu-lhe que cada pessoa da Terra possui ali um relógio e conforme esta pessoa rouba o seu relógio anda. Quanto mais roubo, mais velocidade. Relógio parado, nada de roubo.
Getúlio logo procurou o relógio de vários políticos brasileiros e os encontrou em grande velocidade, mas aí se lembrou de um certo político são-bentense (vamos deixar no escuso seu nome) e não o encontrou. Perguntou ao anjo sobre o relógio desta pessoa. Procuraram, procuraram e não o encontraram, mas, sem demora, o anjo exclamou:
- Já sei onde ele está, agora me lembro bem, ele foi levado para a cozinha a fim de lá servir de ventilador.