Dr. José Kormann (A História da Câmara de São Bento do Sul)
Historiador
Com a Proclamação da República, a conturbada política de São Bento do Sul chegou ao ponto de ter duas câmaras de vereadores e dois prefeitos de uma só vez.
Diz-se que, em política, sempre existe o perigo de certos grupos se acharem com mais direitos que os demais cidadãos e, consequentemente, com menos deveres. Pelo menos parcialmente foi isso que em São Bento do Sul aconteceu: a primeira Câmara de Vereadores 100% republicana neste imenso universo do Brasil e eleita ainda antes da Proclamação da República significava para muitos políticos são-bentenses, pelo menos assim o entendiam, algo merecedor de direitos e favores especiais por parte dos governos brasileiro e estadual.
Assim já na primeira eleição republicana em São Bento do Sul que escolheu os deputados estaduais de Santa Catarina e que correu a 08 de março de 1891 sentiu-se a nítida divergência entre as hostes republicanas locais o que depois também aconteceu, de modo muito cruel, em todo Brasil. Como estes deputados, além do poder legislativo, seriam também os constituintes e assim lhes caberia elaborar a nova Constituição Estadual Republicana e é por isso que a situação tornou-se ainda muito mais grave.
Após muitas violentas brigas, a eleição municipal republicana de São Bento do Sul aconteceu no dia 30 de agosto de 1891 e foi fiscalizada pelo primeiro juiz residente neste município, Vasco Albuquerque Gama. Assim se dizia então que “Anormalmente estas eleições saíram normalmente”. Certamente a presença do juiz que assumira o cargo apenas doze dias antes e a presença dele era então uma grande novidade e ele se mostrou de personalidade enérgica e justa e assim contribuiu para que isso acontecesse tão calmamente. Houve ainda a lembrança dos terríveis acontecimentos da eleição anterior e as severas perseguições aos implicados, bem como já corriam terríveis notícias de muitas crueldades pelo Brasil a fora e que se concretizariam em São Bento do sul com a Revolução Federalista.
Nesta eleição foram eleitos os seguintes vereadores: Francisco Antônio Maximiano (o popular Chico Davi), João Machado, Felipe Maria Wolff, Augustinho da Silva e Líbero Guimarães. Os dois primeiros eram de Mato Preto, o terceiro do centro, do quarto não se conhece o lugar e o quinto era ervateiro de Joinville.
Duas curiosidades: com a Republica de sete vereadores mudou-se para cinco e sempre a maioria dos componentes das primeiras legislaturas era formada pelo partido liberal ou caboclo e é por isso que se dizia que em terra de alemão quem manda é caboclo.
Esta Câmara deveria tomar posse a 01 de janeiro de 1891, mas o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista e proclamador da República, pois sempre os conservadores realizavam os programas liberais enquanto que estes agiam de modo conservador, assim ele fechou o Congresso Nacional, dissolveu as assembleias legislativas e destituiu as câmaras de vereadores. E foi por isto que esta Câmara de São Bento do Sul foi impedida de tomar posse e em seu lugar foi, arbitrariamente, nomeada outra Câmara composta das seguintes pessoas: Francisco José Ribeiro, Paulo Thimóteo Vielewski, Olímpio Nóbrega d’Oliveira, Jorge Schlemm e Agostinho Ribeiro da Silva.
Mas a Câmara eleita negou-se a concordar com a resolução da Junta Governativa Estadual e comunicou sua decisão ao Governo do Estado e, contra as determinações deste, tomou posse no dia 01 de janeiro de 1892. O mesmo fez a Câmara nomeada pela Junta de Governo Estadual e o mesmo fizeram os dois prefeitos: o presidente da Câmara eleita e o presidente da Câmara nomeada. Foi assim que São Bento do Sul passou a contar com dois poderes legislativos e dois poderes executivos.
A Câmara eleita, com o apoio do juiz, Vasco Albuquerque Gama, mudou-se, com todo documentário do governo municipal, para a casa do médico Felipe Maria Wolff, atual museu municipal. A Câmara nomeada ficou no prédio da Prefeitura Municipal da época, chamada de intendência.
Essa situação durou até 21 de março de 1892 quando, apedido de muitos eleitores e por pressão da Junta de Governo Estadual a Câmara eleita desistiu de seu intento, devolvendo os documentos e o Governo Municipal continuou em mãos da Câmara nomeada. Era a briga dos republicanos entre si e que muitas páginas sanguinárias haveria de escrever na História do Brasil e em São Bento do Sul também.
Algo sobre as costumeiras violências políticas de São Bento do Sul
Além das violentas intrigas entre os próprios republicanos, houve também um inegável desejo de retorno à monarquia, uma espécie de Partido Restaurador à semelhança do Período Regencial (1831 a 1840) em que se desejava a volta de D. Pedro I, só que agora se deseja a volta de seu filho D. Pedro II. Até mesmo o proclamador Marechal Deodoro da Fonseca, amigo de Imperador deposto, nos casos de discussões acaloradas, dizia: “Vejam que eu posso buscar o Velho (D. Pedro II) de volta”. A tudo isso se acrescia os conflitos políticos locais, rixas pessoais e inexperiências de tantos líderes políticos republicanos municipais, estaduais e nacionais como o próprio Rui Barbosa que amargou sua decisão republicana.
A insegurança, especialmente a psicológica, aliada à falta de comunicação tão comum na época, sempre é geradora de violência e foi também o que em São Bento do Sul aconteceu. Vejamos no livro São Bento – Cousas do Nosso Tempo de Osny Vasconcellos e Alexandre Pfeiffer, página 207:
“Em São Bento do Sul, como era useiro, a eleição dos deputados constituintes foi muito tumultuada. Parece que nossos böhmerwaldianos e poloneses, juntamente com os nacionais, não podiam participar de eleição democrática tranquila, pois quase sempre tinha que haver perturbações”.
Carlos Ficker em seu livro São Bento do sul, à pagina 293, escreveu: “Na venda do senhor Zipperer (o cronista dos primórdios da colonização de São Bento do Sul), onde uma das seções estava instalada, penetrou um grupo de capangas para ali executar um plano assentado para todas as mesas onde o candidato que lhes era desagradável deveria vencer. Quando prepararam-se para entrar no recinto separado, um dos mesários puxou seu revólver e declarou que o primeiro que pusesse suas mãos criminosas na urna ou papéis na mesa ficaria vítima de sua audácia e crivado de balas”.
E ainda à página 193 da mesma obra, este autor, comenta: “Em outros locais houve intervenção da polícia e muita briga. Um dos eleitores quebrou uma cadeira na cabeça do mesário Mário Lobo que ficou seriamente ferido”.
D. Pedro II havia dado a todos os imigrantes a cidadania brasileira. Com a Proclamação da República, por determinação do novo Governo, só teriam direito a esta cidadania os imigrantes que aceitassem a nova forma de governo. Muitos imigrantes de São Bento do Sul, originários do Império Austro-Húngaro, cuja família imperial era aparentada com a família imperial brasileira, rejeitaram a República e, como protesto, preferiram perder a cidadania brasileira. Os principais líderes desse movimento foram: o Professor Karl Brock, o muito considerado Josef Rank, veterano de guerra de 1866 entre a Áustria e a Prússia Michael Pscheidt, e os muito respeitados Josef Köllner e Meurer Kock.
Durante a contagem dos votos da eleição de 1891, aconteceu uma briga entre os monarquistas e republicanos. O candidato Mário Lobo recebeu no rosto violento golpe de rebenque e outras pancadas na cabeça de um dos quais nunca mais sarou. O mesmo aconteceu a Michael Pascheidt que, mais tarde, entrou em completa alienação mental ao saber da destronação da família imperial austríaca ou talvez também em virtude das pauladas que recebeu na cabeça por ocasião dessa briga. O médio Felipe Maria Wolff, verdadeiro líder republicano, salvou a urna que estava em perigo fugindo com ela e mesmo assim foi atingido por um banco que Josef Köllner atirou contra ele. Mas quem mais apanhou foi o monarquista líder, Professor Karl Brock: surraram-no com pedaços de uma cadeira que haviam estraçalhado durante a contenda. E vejam bem que a madeira dos móveis daquela época era de cerne puro, bem maciça.
Disso tudo resultou que os mais inquietos foram presos. Os considerados perigosos passaram a ser vigiados. Josef Ranhk fugiu para Itaiópolis onde ficou por quatro anos até que pode voltar, mas ficando em prisão domiciliar. Josef Köllner, Meurer Kock e o Professor Karl Brock ficaram na prisão por muito tempo. Michael Pscheidt mudou-se com seu filho José para o interior de Rio Negrinho.
Um vereador mal educado e só o idioma português é aceito
Carlos Ficker conta o seguinte caso em seu livro São Bento do Sul, página 250, que transcrevemos adaptando em sua ortografia e acrescentando o ano em que o fato se deu:
“Na sessão de 24 de abril de 1885 o requerimento de um colono de nome Simão Dereneviski, morador do Caminho Banhado, foi votado contrário ao desejo do dito Dereneviski e então este prorrompeu em língua polaca, em alta voz e fortes gesticulações.
O Presidente da Câmara, com o fito de manter a ordem disse ao dito cidadão que ele não podia interromper os trabalhos da Câmara e que, se alguma causa tivesse a requerer, o devia fazer na língua portuguesa, e se não a soubesse, o fizesse por meio de intérprete.
E continua o Presidente Bueno Franco no seu ofício:
Foi então que com firme propósito de desmoralizar esta Câmara, levantou-se como um possesso o vereador Augusto Henning, desordeiro conhecido nos anais dos crimes deste termo, que ele era alemão e que havia de falar sua língua natal até quando quisesse, mesmo na Câmara Municipal, passando depois a injúrias grosseiras e insultos.
Chamado, por três vezes, à ordem pelo Presidente ultrapassou então os limites de certas regras de civilidade que conhecem até os carroceiros, não quis, ele, voltar ao bom senso e nem obedecer à voz do Presidente da casa e não se calou.
Levantada a sessão em maior desordem causada pelo vereador Henning, foi novamente reunida a Câmara no dia 25, tendo sido proposto se devia o desordeiro vereador tomar parte nela, deliberou-se por maioria de votos que em face do artigo 32 da lei de 01 de outubro de 1828, não devia ser admitido o vereador desordeiro na sessão, tanto mais que ainda não tendo havido solução ao requerimento do colono Dereneviski, poder-se-iam reproduzir as lamentáveis cenas da véspera.
Com o requerimento do Dereneviski escrito em polaco, visto não saber o português (o que é falso) foi, pelo Presidente da Câmara, advertido que se retirasse e só comparecesse falando o português. O requerimento foi ainda assinado pelo Dr. Felipe Maria Wolff e pelo vereador Henning e vê-se a má fé dos vereadores nem um e nem outro sabem falar polaco e são, portanto incapazes de fazer tradução das palavras que não entendem. Não é possível que cada vereador desta Câmara possa saber falar polaco e alemão para se poderem entender com os colonos da Colônia São Bento que tenham negócios com a Câmara. Tão pouco é possível quando as traduções são feitas por vereadores que desconhecem as mais elementares regras da língua portuguesa e que são incapazes de escrevê-la em língua nacional. Quanto as palavras grosseiramente usadas pelo vereador Henning como ‘mandões de aldeia’ e outras que foram escritas, esta Câmara não as levanta da lama, receosa de sujar seus atos”.
Este documento foi enviado por Francisco Bueno Franco ao Governador de Santa Catarina. Pode sentir-se, na estrelinhas deste escrito, uma vontade de diminuir o Partido Conservador que era o dos imigrantes e a exaltação do Partido Liberal que era o partido do Presidente.
Primeira Lei Orgânica do Município
No Brasil existe a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a constituição municipal erradamente, segundo nosso conceito, chamada de Lei Orgânica do Município e que, durante muito tempo, nem mesmo era o município que a elaborava. Antigamente essa Lei Orgânica era simplesmente chamada de Código de Posturas. Assim como o vereador, em nome atualizado, dever-se-ia chamar deputado municipal, mas essa troca de nomes em relação ao município é, de certa forma, um modo de diminuí-lo no conceito das decisões políticas nacionais. Deverá, um dia, surgir alguém, ou um grupo de pessoas, que corrija esta lacuna depreciativa municipal.
A 16 de outubro de 1888 o governante de Santa Catarina aprovou para São Bento do Sul o particular Código de Posturas elaborado pela Assembleia Legislativa estadual. Vamos, dele, transcrever alguns artigos, segundo Carlos Ficker, 1973, pág. 224:
Art. 1 – A instrução é obrigatória para meninos e meninas de 07 a 13 anos de idade.
§ 1º Excetuam-se os que morarem a mais de 04 quilômetros do lugar da escola.
Art. 2 – Só em dias de festas é permitido soltar fogos de artifícios ou salvas com armas de fogo.
Art. 3 – Só as pessoas que vão para trabalho do mate ou roça e os viajantes é permitido andar com armas de fogo, em caso algum estarão carregadas nos povoados.
Art. 12 – Aos condutores de carros ou carroças que não souberem guiar, que se embriagarem, que dormirem nos carros com os animais atrelados, ou carro em movimento, além da multa sofrerão quinze dias de cadeia.
Art. 19 – Nas ocasiões de corridas de cavalos, não se pode ter cães soltos, que possam fazer cair os corredores. Multa de 5.000 reis aos infratores.
Art. 20 – Quando um carro tiver de passar por uma tropa de cargueiros, os tropeiros irão na frente dos carros para arredar os animais de sua tropa, de modo a facilitar a passagem do carro. Multa de 10.000 reis ao infrator.
Art. 21 – Será permitido às casas de negócios ter até 15 quilos de pólvora, mas com todas as precauções a fim de evitar desastres, sendo, em todo o caso, proibido vende-la à noite.
Art. 24 – Nas noites em que não houver luar, todos os carros que transitarem pelas ruas serão obrigados a terem uma lanterna de vidros brancos em lugar bem visível.
Art. 47 – É proibido sob pena de 20.000 reis de multa:
§ 1º - Criar porcos soltos na povoação.
§ 2º - Lançar vidros, lixo ou animais mortos nas ruas.
§ 3º - Fazer vozerias e dar gritos nas ruas.
§ 4º - Conservar nos quintais animais mortos, cloacas abertas, estrumes que exalem mau cheiro.
Por esta simples amostragem, pode-se ter uma ideia da vida primitiva daquilo que foi a vidada no e na São Bento do Sul de antanho.
Mas é claro que você pode colaborar com fotos. Muito Obrigado! Meu e-mail é josekormann2@gmail.com