Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Enfim chegou a sexta-feira. É o dia em que encontro o meu vizinho, parado na frente de casa. Ele puxa conversa, me pergunta sobre o frio do sul. Diz que está ali esperando a chegada do seu filho. “Nós vamos a um boteco”, explicou, rindo. E logo o filho chegou com sua esposa e eles partiram. É sexta-feira à noite, e as pessoas aproveitam para se divertir e fazer coisas assim. Um programa agradável. Eu, que não tenho programa algum, não quero passar a noite inteira em casa, e então vou a uma biblioteca.
Percebo que não sou o único. Há pelo menos dez pessoas que também vieram à biblioteca. Mas elas não foram lá para emprestar algum livro e depois ler em casa, tranquilamente. Elas estão lá para estudar. Estudam porque querem passar em algum concurso público, como todo brasiliense que se preze. E se não for isso, então estão buscando a aprovação em algum vestibular. Por esse motivo, passam a noite de sexta-feira debruçados sobre livros técnicos, teóricos e difíceis, que não dão nenhum prazer. Talvez algum de Direito Civil. Ou de Administração. Estão sempre estudando coisas de Administração. Vi um rapaz que estudava a gramática do português. Ah, que ótima maneira de passar a sexta-feira! Trabalha-se o dia inteiro, a semana inteira, e ao final se descansa estudando regrinhas gramaticais da nossa simples língua portuguesa.
Estão todos concentrados em suas mesas, todas devidamente cercadas para que ninguém ouse perturbar o estudo. É um silêncio de igreja, e qualquer um que fique algum tempo por lá acaba dominado por ele. Eu mesmo estive a ponto de fuzilar um jovem que começou a esfregar um tênis no outro enquanto estudava. E, como não havia outra coisa a fazer, também me concentrei na leitura de alguma coisa qualquer. Não estou estudando para concurso público. Tenho apenas algumas ideias, projetos, trabalhos. E também me dedico a eles numa sexta-feira à noite.
Venham aqui fora!
E uma visão bonita, toda aquela fileira de mesas, cadeiras, gente de cabeça abaixada, todos concentrados, proibidos de fazer barulho, de fazer um lanche, de se divertir de verdade. É tão bonita que se torna triste. O que há ali são sonhos. Alguns mais firmes, outros nascidos da necessidade, mas todos sonhos, e legítimos. Haverá aqueles que conseguirão, e que um dia talvez se lembrem com carinho das sextas-feiras que gastaram em cima de livros. Foram recompensados, afinal. Ah, mas como são poucos esses! Quantos deles não conseguirão passar nesse concurso, e nem no próximo, e nem no seguinte, e ainda terão que gastar uma boa parte da vida tentando, se esforçando e se consumindo?
Esses são pensamentos melancólicos, e não convém insistir neles em uma noite como hoje. Acreditem, meus amados estudantes, está uma bela noite aqui fora. Venham ver! Venham para cá por um instante que seja! Celebremos um pouco a noite, o céu, as estrelas, e tudo aquilo que só prestaremos atenção no dia em que formos bem sucedidos. A biblioteca fecha às 23:00, mas saiamos antes! É sexta-feira! Venham ter uma pequena amostra do paraíso que se esconde depois da nossa merecida aprovação!
Por favor, ao menos hoje, por um pouco de tempo, saiam dessa biblioteca!