Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Acontece o seguinte, eu finalmente comecei a aprender alemão. Depois de anos em busca de um curso que coubesse no orçamento, eu resolvi baixar algum livro ou apostila e estudar por conta própria. Achei um livro que se chama, muito oportunamente, “Aprenda alemão sozinho” e com ele tenho passado os finais de semana. Ou seja, na cidade em que mais se estuda para passar em concurso público, há agora um sujeito estudando alemão, e pior, sem esperar com isso arrumar emprego algum.
Verdade que o livro que escolhi para estudar não é dos mais novos. Descobri isso quando explicaram que as máquinas de escrever alemãs não usam caracteres góticos. Eles inclusive acharam importante que eu soubesse como se fala “esteno-datilógrafa” na língua de Goethe. Também me ensinaram a falar gramofone e lampião de rua, além de me lembrarem que há bolcheviques na Rússia e fascistas na Itália. Tudo isso, é claro, já está ultrapassado, mas a estrutura da língua permanece a mesma, infelizmente.
Ah, se pelo menos as declinações tivessem mudado! Porque no alemão um artigo não é apenas um artigo, um adjetivo não é um adjetivo, um substantivo não é um substantivo – é sempre ele e sua circunstância. Existe um monte de palavrinhas de três letras começadas com D de demônio, der, die, das, den, des, dem, e tudo isso significa a mesma coisa, um simples artigo definido, só que cada um tem o momento certo de usar, levando em conta não apenas o sexo do substantivo, mas também a função do artigo na frase. Agora vai explicar isso a um brasileiro que nunca precisou saber o que é objeto direto ou indireto!
Não me admira que grande parte dos homens que mais influenciaram a humanidade falasse alemão. Gutenberg, Lutero, Marx, Engels, Weber, Freud, Jung, Einstein, todos eles precisavam falar e, ao mesmo tempo, descobrir se aquilo que diziam pertencia ao caso nominativo, acusativo, genitivo ou dativo. Ora, uma pessoa acostumada a semelhante exercício certamente desperta áreas ainda não exploradas no cérebro e está mais propensa a fazer descobertas nunca antes imaginadas pela gênero humano.
O próprio Bach, como é que vamos explicar o Bach sem levar em conta que a sua família, há varias gerações, precisava declinar corretamente artigo, substantivo e adjetivo? Quando Nietzsche fala em “Super-Homem”, ele não está se referindo a outra coisa senão ao sujeito que conhece perfeitamente as regras gramaticais do alemão.
Claro que há, aqui e ali, algumas vantagens na língua. Por exemplo, em alemão não existe gerúndio. Isso significa, na prática, que os alemães se aborrecem muito menos do que nós quando precisam falar com um atendente de telemarketing. Mas, no geral, a coisa não é fácil.
Esse livro que estou estudando tem algumas tabe-las. O alemão gosta de tabelas tanto quanto de chopp. Pois bem. Uma das tabelas apresenta as declinações dos substantivos. Não é uma tabela fácil de entender e menos ainda de assimilar o conteúdo. O autor, no entanto, acha mais do que suficiente, tanto que diz que se o estudante, depois dela, continuar confuso e desanimado, “sê-lo-á por culpa própria” É mole? A culpa é do aluno! Vou resolver esse negócio da culpa com aqueles alemães da psicanálise.