Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Sonhei com Tamara, a minha prometida, andando do outro lado da rua. Ela havia cortado o cabelo, e talvez nem estivesse tão bonita, mas a mim já bastava que fosse ela. Tão logo a vi, ela também se deu conta da minha presença. Mas, por medo, descortesia ou, mais provavelmente, amor, fingiu que não era com ela e desviou o olhar. E continuou caminhando, só que a cada passo ela tornava a virar o rosto na minha direção. Eu estava espantado, já que era a primeira vez que aquilo acontecia, e tive o desejo de contar a alguém: “Tamara me olhou! Tamara me olhou!”. Ela estava nervosa, sabia que seria abordada, e subitamente entrou em um banheiro de rua, a primeira coisa que lhe apareceu pela frente. Diminuí o passo, esperando que ela saísse logo de lá e voltasse a caminhar, mas ela não saia e eu tive que desistir. Segui adiante e resolvi esperá-la em uma igreja, que não era a nossa, e que, portanto, também não seria a mesma onde haveríamos de nos casar.
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Mais uma vez, eu sonhei que era a única pessoa no mundo que sabia voar. Pode ser que existam outras que também conseguem, mas nunca se deram conta. Dou de lambuja os passos: primeiro, dê um pequeno salto, apenas suficiente para tirar os seus pés do chão; depois, jogue as suas pernas para trás (confie, você não irá cair); em seguida, simplesmente permaneça na horizontal com os braços esticados (você já estará voando); por fim, impulsione o corpo na direção e na altura que desejar. Aprendi isso há dois ou três sonhos, mas esta foi a primeira vez que percebi o perigo da fiação elétrica (cuidado com ela!).
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Enquanto dormia, encontrei minha irmã pela primeira vez. Sempre perguntam se não sinto falta de ter um irmão, mas perguntam assim, como se eu sentisse a falta de um terceiro braço. Pois eu encontrei a minha irmã e ela se chamava Helena – mantinha a tradição de nomes com H na família. E Helena era mais nova, devia ter uns oito ou nove anos, mais ou menos a idade do meu espírito. A gente se dava muito bem, ela ria enquanto brincávamos e chegou a dizer: “Eu gosto das mesmas coisas que você”. Helena era meio boba, queria se parecer com seu irmão mais velho. Ela era apenas minha meia-irmã, mas ainda que fosse um quinto de irmã, ainda era a minha irmã. E quando eu, homem feito, chegava em casa, perguntava à minha mãe: “E Helena? Onde está Helena?”. E Helena aparecia, tinha acabado de ler um livro e eu pedia que me contasse a história. Às vezes um adulto qualquer pedia a ela que não me aborrecesse. Qual! Era a minha irmã! A irmã que nunca tive – e que nunca voltarei a ter.
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Sonhei com Isadora na mesma noite em que ela sonhou comigo. Não me lembro de muitos detalhes, e tampouco lembra ela. Segundo ela, estávamos em Brasília – não sei. Sei apenas que a sua aparição se deu de forma natural: apenas aconteceu de estar no meio de outras pessoas que eu conhecia. E, por ser assim, nada houve que pudesse lembrar o nosso passado em comum. E nada haveria a ser contado, se não fosse por essa estranha coincidência. Se os sonhos realmente têm algum significado, o nosso talvez seja esse: ainda não nos livramos totalmente daquilo que poderia ter sido.