Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Admito, eu pareço mesmo um nerd. Pelo menos o nerd clássico, quase sempre um magrelo, de corpo franzino e – isso é fundamental – que usa óculos. Claro, não uso óculos para parecer um nerd, mas como, coincidentemente, eu sou, vá lá, que os outros saibam disso apenas em olhar para mim. É verdade que, vez ou outra, usar óculos me faz parecer mais inteligente do que na verdade eu sou. Sou capaz de apostar que é por causa dos óculos que me param tanto na rua em busca de informações que, invariavelmente, eu não sei dar. Às vezes me pedem para fazer operações complicadíssimas no celular – esse cara de óculos deve saber, iludem-se. E também deve ser por conta deles que sou abordado na rodoviária de Brasília por quem vende poemas.
Poemas, isso mesmo que você leu. Estou eu lá parado com a minha nerdice quando um sujeito se aproxima e pergunta se eu quero comprar poemas. Antes mesmo que ele termine a frase, eu já recuo espantado, porque a minha primeira impressão é que se trata de um mendigo (há mais mendigos do que poetas na rodoviária de Brasília). Mas não, o cara quer vender poemas, e poemas que ele mesmo fez. Havia olhado para mim e visto que eu usava óculos, que tinha cara de gente que lê, que devia ser mais ou menos sensível, e veio diretamente para mim, sem prestar atenção nas demais pessoas na fila. Diz que tem muitos poemas e que eu poderia mandá-los à minha namorada, que eu só não tenho porque, como disse, sou o nerd clássico.
Posso até não ter namorada, mas acho muito bonito que alguém queira vender poemas na rodoviária de Brasília, onde são vendidos vales, DVDs, chips de celular, bijuterias, goiabas e adesivos para a unha, e por isso peço: “Me vê um”. Bueno, o vendedor explica que fez vários grupos de quatro poemas e botou dentro de um envelope. Ele deixa que eu abra os envelopes, que eu tire os poemas, que eu leia os poemas, que eu cheire os poemas, que eu apalpe os poemas e escolha aqueles que estiverem mais maduros. Mas aconselha: “Esse aqui o pessoal gosta mais...”, o que sugere que, apesar da crise, há mais gente comprando poemas por aí.
Escolho esse que o pessoal gosta mais e o vendedor diz que o envelope custa dois reais. A cotação de um poema, portanto, é de 50 centavos, o que parece pouco, mas ainda é mais do que eu ganho com uma crônica. Feita a transação, que imagino ilegal, pois o poeta não deve ter registro para vender poemas na rodoviária de Brasília, ele se afasta, em busca de mais alguém que use óculos, enquanto eu me disponho a ler os poemas e ver se seriam dignos da minha amada. Mas descubro que as rimas são forçadas e os versos são clichês. O poeta, é claro, não tem culpa de não ser Drummond, e nem precisa, desde que cultive uma coisa bonita na vida.
O problema é que, desde então, ele já me abordou meia dúzia de vezes, e nunca se lembra de mim, sempre é a minha aparência de nerd que chama a sua atenção. Estou pensando em tirar os óculos para ver se ele aparece mesmo assim. Quem sabe isso também ajude a arrumar uma namorada para receber os poemas. Afinal, é por conta desses óculos que “as meninas do Leblon não olham mais para mim” – ou isso ou o fato de eu nunca ter estado no Rio de Janeiro.