Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Passou aí o Dia de Finados, e imagino que muita gente tenha ido fazer uma visita ao Cemitério Municipal. Teria alguém reparado na carroça que está logo na entrada? Sim, há uma carroça por lá, dentro de um abrigo, ao lado daquela entrada que diz “Memento Mori” – frase que está em latim justamente para não nos assustar. Pois aquela carroça que lá está tem quase os seus oitenta anos. Quem esticar os olhos para ela verá ainda dentro do abrigo uma foto do cortejo fúnebre de Jorge Zipperer, falecido em 1944. E nessa imagem, lá está o meu bisavô, Frederico Fendrich, o filho, guiando a velha carroça com o ilustre morto dentro dela. Eram primos, os dois.
Foi o próprio Fendrich quem idealizou esse meio de condução, que ninguém fazia questão de utilizar. Ele havia herdado de seu pai, o Frederico Fendrich professor, um velho trole. Um dia, no final de 1934, lhe ocorreu a ideia de fazer a partir dele e de algumas ferragens uma carroça fúnebre. Foi então até Joinville para fotografar a carroça utilizada por uma funerária da cidade. Queria fazer uma igual. Voltando com as fotos, solicitou a construção da carroça para Leopoldo Zschoerper, Alexandre Zschoerper, Jack Matl e Gustavo Stratmann. A pintura foi feita por Ernst Walter Zulauf, e as cortinas foram confeccionadas em Joinville. E já no começo do ano seguinte, a carroça estava pronta para ser inaugurada, faltando apenas descobrir quem é que teria a desventura de estreá-la.
Estreia e aposentadoria
E a triste inauguração coube a Otto Beckert, o popular “Putzi”, que faleceu no dia 15 de fevereiro de 1935. Não sei quem era ele. Parece que já vi o seu nome entre os primeiros jogadores de futebol de São Bento. Mas um dia aconteceu dele morrer, e precisava ser transportado. Foi ele então quem estreou a carroça, embora não se desse conta disso. Mas a partir desse enterro, o uso da carroça começou a se popularizar na região. Por ela, passaram mortos famosos, como o Jorge Zipperer, e outros ilustres desconhecidos – a todos, afinal, o destino é o mesmo.
Normalmente, era Frederico Fendrich quem a conduzia – e, até onde eu sei, ele jamais sentiu mão alguma lhe tocando o ombro durante os cortejos. Quando Fendrich não podia, o condutor era um dos seus agregados. Não sei dizer se foi também ele quem conduziu o cortejo de sua filha Lydia, falecida aos 23 anos em 1945. Era uma menina que ainda criança bateu a cabeça e sofreu por conta disso o resto da sua curta vida. De qualquer forma, dois anos depois de Lydia, Frederico Fendrich teve que trocar a posição de condutor para a de conduzido. E foi também guiado ao cemitério.
A carroça continuou sendo utilizada mesmo depois da sua morte, tendo como condutores José Zipperer Filho, Wenzel Pscheidt, Paulo Chapiewski, Alfono Rank, Rodolfo Denk e, por último, Paulo Müller, que a conduziu por 15 anos até meados de 1976 – quando alguém achou que não fazia mais sentido utilizar uma carroça para isso. O último que a conduziu foi meu avô Herbert, em 1992, mas na ocasião não foi para carregar morto nenhum: foi para desfilar no aniversário da cidade, com a carroça agora reformada e transformada em peça histórica, a ponto de merecer o abrigo que hoje tem no cemitério.