Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Li no saite do Evolução o artigo do juiz de Direito Romano José Enzweiler sobre os 120 anos da Justiça em São Bento do Sul, comemorados neste mês de outubro – uma data que, não fosse a presteza do autor, jamais me ocorreria. O artigo faz um bom apanhado histórico e revela que a instalação da Comarca de São Bento, ocorrida no dia 16/10/1891, foi feita sob a direção do juiz de Direito Vasco de Albuquerque Gama. É aí que eu entro, pois, embora desconheça os ritos e a história da Justiça, tenho algum conhecimento sobre o doutor Vasco que talvez seja interessante mencionar, a título de curiosidade, para melhor ilustrar a data que se comemora.
Vasco de Albuquerque Gama nasceu no Recife aos 27/05/1866. Era filho de Flávio e Albina de Albuquerque Gama, neto paterno de Bernardo José da Gama e Isabel Ursulina de Albuquerque. Esse Bernardo foi pessoa de muitos títulos, sendo juiz, desembargador, deputado, ministro da Justiça, chanceler e regedor da Justiça, presidente do Pará, ministro dos Negócios do Império, além de barão e visconde com grandeza. Teve a quem sair, o nosso Vasco. Sua família tinha origem no Porto. Vasco formou-se em direito pela Faculdade de Olinda e, não se sabe ainda como, veio dar as caras em São Bento do Sul.
Um tiro a traição
Como bem lembrado pelo juiz Enzweiler, o primeiro magistrado de nossa cidade teve que enfrentar enorme instabilidade política – e eu acrescento que por pouco isso não lhe custou a vida. Isso aconteceu alguns anos depois da criação da Comarca, em 1897. Neste ano, o doutor Vasco havia denunciado no jornal “Legalidade”, do doutor Philipp Maria Wolff, vários crimes supostamente praticados em São Bento e no Paraná pelo capitão Joaquim da Silva Dias, na época promotor público de Campo Alegre – e acusado de ser o mandante do assassinato de Albert Malschitzky, presidente da Câmara de São Bento. Um amigo de Dias, Serapião Marcondes da Fonseca, depôs no caso Malschitzky e contou o seguinte:
– Ele me convidou pra assassinar o Dr. Vasco. Eu não concordei, mas o plano era o seguinte: quando ele passasse diante da estação telegráfica, seria dado um tiro a traição, pois assim o crime ficaria impune. Dias tinha uma boa Manulicher, e com ela não errava tiro. Tinha prática de matar. Ficariam escondidos nas depressões do terreno e assim escapariam à ação da justiça.
Mais adiante em seu depoimento, Serapião revela outro plano, mais brando, que consistia numa surra em algumas personalidades influentes da cidade – incluindo o nosso Vasco, que estaria na casa de Manoel Tavares e, para aproveitar o embalo, seria surrado também. Segundo Serapião, Dias teria dito que em São Francisco e Joinville tinha quinze homens armados a fim de expulsar da região “o doutor Vasco e outros”.
Ora, nada disso aconteceu – e nem podemos dizer até que ponto o depoimento é verdadeiro. Mas que foram tempos perigosos para o nosso juiz, não resta dúvida. O doutor Vasco partiria alguns anos depois para Florianópolis, onde se tornou um dos pioneiros na formação de grupos espíritas, e depois foi por duas vezes o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Deixou uma filha, aparentemente sem descendentes.