Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Corria o ano da graça de 1873. Francisco Antônio Maximiano, o popular Chico David, trabalhava em sua roça nas vizinhanças do rio São Bento. Sua família estava lá desde o ano interior, vinda da Lapa. Não havia muitos vizinhos próximos. Mas aconteceu que um dia Chico David olhou ao longe e percebeu a aproximação de uns doze homens, trazendo ferramentas no lombo de seus burros. "Mas que diacho é isso agora?", pensou. Foi até lá falar com eles.
O líder era um alemão, que falava coisas que Chico David não entendia. Mas como havia brasileiros no grupo, ele ficou sabendo que queriam demarcar lotes para uma colônia alemã. Aliás, aproveitando a ocasião, perguntaram o que é que Chico David estava fazendo ali, nas terras que pertenciam à Sociedade Colonizadora. "Uai, essa terra aqui é minha! Tô pagando por ela!", protestou. E, como os homens pareciam não acreditar, Chico David foi até a sua casa e voltou trazendo um papel. Era um papel importante, assinado pela Província do Paraná, e que garantia que aquelas terras fossem ocupadas por ele.
O alemão que liderava o grupo ficou confuso. Mas não seria ali que se resolveria o problema: Chico David foi para casa e os homens continuaram o seu trabalho em outro canto.
Queixas e mais queixas
Quase dois anos depois, a Colônia já existia. E com elas as confusões. O diretor da Colônia, Ottokar Doerffel, foi acordado às nove horas da madrugada em pleno domingo. Só podia ser coisa séria. E era: meia dúzia de imigrantes de São Bento queria falar com ele. E outros trinta e tantos estavam armados, também querendo falar com ele. "E mais essa agora! O que será que vão me pedir?", pensou Doerffel. Como não tinha outro remédio, foi lá falar com eles. Perguntou o que queriam.
- Uma escola em São Bento! Nossas crianças tão crescendo como bugres!
- Queremos nossos títulos de terra! Esses provisórios não são garantia nenhuma!
- Uma igreja! E um padre! Onde já se viu deixar de ir à missa aos domingos?
- Tirem esses paranaenses daqui! Estão atrapalhando as nossas plantações!
Doerffel suspirou. Os imigrantes queriam a solução de todos os problemas. E achavam que ele seria capaz de resolvê-los com um simples telegrama.
- A gente vai ficar aqui até o senhor enviar o telegrama e receber a resposta.
- Mas um telegrama para quem? E falando o quê, exatamente?
Os imigrantes não sabiam. Mas que precisava mandar, ah, precisava. Foi então que um deles se levantou e começou um discurso:
- Irmãos europeus! Nós somos fraternalmente unidos em nossa angústia, e com o mesmo ânimo, e com a mesma...
O discurso embrulhou o estômago de Doerffel, que não prestou mais atenção. Quando acabou, o imigrante foi muito aplaudido, e então alguém, já desesperado, sugeriu:
- Queremos voltar para a Europa!
Depois de muita discussão, e inclusive tumulto com a polícia, os imigrantes se deram por satisfeitos com a decisão de Doerffel: que dois imigrantes fossem ao Rio de Janeiro e apresentassem pessoalmente suas queixas ao imperador. Assim decidido, os imigrantes voltaram para suas casas. E também Doerffel, que agora só resmungava:
- Socialistas... membros da Internacional. Tenha santa paciência.