A volta do Pai Fritz

Quem me lê deve se lembrar que há algumas edições eu relatei meu encontro com o ilustre Pai Fritz, primeiro são-bentense a se comunicar com almas penadas em sotaque alemão. Na ocasião, Pai Fritz colocou-me em contato com José Zipperer, um dos pioneiros da cidade, e que gentilmente me concedeu a entrevista que aqui publiquei. Há alguns dias, encontrei Pai Fritz por acaso em Brasília. Vinha de São Paulo - parece que estava tendo algum trabalho para se comunicar com novos filiados do partido do Kassab. Ele me perguntou se eu não queria entrevistar algum outro imigrante. Aceitei.

Pediu-me então que providenciasse um computador. Pai Fritz é um adepto da tecnologia para fins mediúnicos. Conectou-se ao Facebook e garantiu-me que a manifestação iria ocorrer de forma virtual. Em instantes, teríamos na nossa frente mensagens instantâneas  escritas por algum imigrante, como se fossem enviadas hoje. Não demorou muito e o mouse começou a se mexer sozinho. Entramos na conta do célebre Jorge Zipperer, filho de José Zipperer. "Mas ele não é imigrante. Nasceu em São Bento", protestei. Pai Fritz explicou que isso era o máximo que o meu provedor de internet podia oferecer. E mal terminou de falar isso quando vimos o primeiro post de Jorge Zipperer:

19 de Agosto. Tempo com chuva. Trabalho a tarde plantando macieira. De noite, li e joguei carta com Francisco Gruber.

Bem se vê que Jorge Zipperer é pessoa das antigas, pois usa as redes sociais como simples diário. Segundo o Pai Fritz, estávamos em 1897. Jorge tinha 19 anos. Tínhamos a chance de saber como os jovens da época passavam os seus dias em São Bento. E, aparentemente, não era algo muito divertido.

20 de Agosto. Tempo nublado. Trabalho a tarde fazendo lenha. De noite li.

Essa postagem aconteceu numa sexta-feira. Jorge não saiu para nenhuma balada. Lia bastante nessa época, em geral livros sobre a guerra da Áustria contra a Prússia. Sei disso porque Jorge deu um like neles no Facebook. E logo em seguida passou a programação do fim de semana. No sábado, trabalhar no arado. À noite, jogar bilhar. No domingo, ir pela manhã à igreja. À tarde, ficar em casa. E à noite, ir ao baile no Knop. Não havia muitas opções em São Bento, e creio que Jorge aproveitava bem o tempo. Pai Fritz, que gosta de uma fofoca, lamentou que não houvesse postagens sobre o mulheril da época.

Quase tudo que Jorge fazia dizia respeito ao trabalho na roça. Plantava coisas como centeio, milho, feijão, taiá, batata, repolho. Cuidava de parreiras, macieiras, mangueiras e pessegueiros. Vivia cortando lenha. Limpava um chiqueiro. Cortava palha. Puxava areia. Consertava cerca. Olhei para o Pai Fritz e ele estava esbaforido só de ler. Jorge descansava jogando cartas, bilhar, bolão, tocando música e indo a bailes. Pudemos ler as suas atividades diárias até o ano seguinte. Depois parou.

Pai Fritz estranhou: "Por que será que não escreve mais?". Subitamente, a tela piscou e recebemos uma mensagem de Maria Schiessl, esposa de Jorge: "Porque começamos a namorar". Não sabemos se disse a sério. Sei apenas que logo em seguida a conexão caiu - e caiu também o Pai Fritz, cansado de tanto esforço virtual.