Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Contei há algumas semanas sobre a rua em que morei na 25 de Julho. Quando saí de lá, fui para o Centro de São Bento, onde encontrei a vizinhança mais pacata deste mundo - e do outro também. Morava em um condomínio perto do Cemitério Municipal. Da sacada, podia acompanhar toda a movimentação dos velórios e enterros. Na época em que lá morava, houve alguns sepultamentos marcantes, como o do Alexandre Pfeiffer, em 2002. Lembro ainda do João Fendrich, do açougue, em 2004. Não fui a nenhum deles, mas vi tudo da sacada. Alguns eram acompanhados pela Banda Treml. Coisa bonita de ver.
Foi também em 2004 que eu comecei a montar minha árvore genealógica. Anotava os nomes de avós, bisavós, tios e primos. Para ficar mais completa, eu anotava as datas. E para descobri-las, eu visitava o cemitério ali do lado. Por mais de uma vez eu fui até lá com a minha mãe e anotava as informações das sepulturas de Fendrich, Roesler, Giese, Bail, Zipperer, e todos que pudessem ter alguma relação comigo. Confesso que não gostava muito de fazer isso - eu dormia mal à noite, porque fechava os olhos e via lápides.
Sabendo que eu andava com esses interesses macabros, meu avô Herbert passou a visitar outros cemitérios da região e anotar informações da família para mim. Batia à máquina e então me entregava. Tenho ainda esses papéis guardados. Foi ele, pela genética e pelo incentivo, o responsável por eu fazer as pesquisas que faço hoje. Hoje o tempo passou, e ele próprio está lá no Cemitério Municipal. Amanhã já faz quatro anos. Ele está na sexta fileira do lado esquerdo da escadaria. Acho que foi um bom lugar, pois está perto de músicos da família Weber - terão bastante o que conversar.
Informações preservadas
Na última vez em que estive em São Bento, voltei com seiscentas fotos. Mas sou um péssimo guia turístico: todas eram de lápides. A máquina digital facilitou meu trabalho, e o meu incômodo em andar no meio de um cemitério terminou. Assim, comecei por conta própria a registrar todos os mortos sepultados no Cemitério Municipal. Tenho anotado as vinte primeiras quadras. Se você me perguntar onde está o Carlos Zipperer Sobrinho, por exemplo, direi rapidamente que está na décima quinta sepultura da quarta fileira do lado direito da escadaria. Sou capaz de provar, inclusive, que Pius Schindler está sepultado em dois lugares diferentes - um ao lado dos sogros, e outro, mais à vontade, só com a esposa.
É bem verdade que iniciei esse trabalho tarde. Há muito mais gente por lá do que é possível descobrir hoje. Para boa parte, não existe mais lápide, não existe mais informação, não existe mais flor, não existe mais quem chore. Enfim, não existe mais memória. Esses realmente estão mortos, pois nem lembrados são. Certa vez, um padre mexicano falou que existem três tipos de morte. A primeira, é quando o coração para de bater. A segunda, é quando a pessoa é sepultada e não a vemos mais. E a terceira é quando o seu nome é pronunciado pela última vez. Bolas, ninguém pode fazer nada contra as duas primeiras. Faz parte da ordem natural das coisas. Mas diante da última, alguma coisa ainda pode ser feita.
E uma dessas coisas é saber exatamente quem e onde está sepultado por lá.