Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Vem aí a temporada da seca em Brasília. Os olhos e a garganta ficarão irritados e a pressão de muitas pessoas irá cair. Enfrentei bem a seca do ano passado, apesar de ser a minha primeira por aqui. Nesse período, não há possibilidade de se repetir aqui em Brasília a gloriosa Batalha da Chuva Repentina, que tomou lugar em São Bento do Sul há alguns anos - embora os livros omitam o episódio.
A luta
Era domingo e o almoço ainda descia. Todos estavam sentados e pensavam coisas suaves - os assuntos importantes já haviam sido discutidos. Vivia-se um silêncio raro, uma pausa para que todos buscassem dentro de si um novo assunto. Pois foi então que o chefe da família esticou o pescoço até a janela com ar de curiosidade e, ao certificar-se do que se passava, voltou-se para nós e sentenciou gravemente: "Está chovendo".
Essas duas palavras provocaram certo alvoroço em nós. Primeiramente, ficamos espantados, e instintivamente olhamos todos para a janela. Pudemos ver então com nossos próprios olhos: sim, estava chovendo. A nossa tranquilidade de domingo foi subitamente abalada. Lembramos que havia toalhas estendidas lá fora. E, como se não bastasse, alguém acrescentou que as janelas do sótão estavam abertas.
A visão das toalhas tomando chuva apavorou-nos. As mulheres soltaram gritinhos e as pernas dos homens tremeram. Ainda assim, levantou-se um pequeno exército, formado pelos nossos mais bravos e corajosos homens, que se dispôs a enfrentar a chuva e tudo que dela surgisse. O nobre objetivo dos valentes homens era trazer as desprotegidas toalhas para um abrigo, onde não se molhariam e estariam salvas.
Devo dizer que a missão foi cumprida com êxito, e certamente, em algum lugar, a Marinha do Brasil deu uma salva de tiros em homenagem aos guerreiros que ousaram enfrentar as intempéries. No entanto, o pelotão designado para subir ao sótão e fechar as janelas que, inadvertidamente, haviam ficado abertas, sofreu algumas baixas: houve móveis que ficaram molhados, sem que nossos homens pudessem evitar.
Esses homens retornaram visivelmente humilhados, mas nem por isso deixaram de ser condecorados, pois sua corajosa atitude impediu uma tragédia maior. E depois de alguns minutos, as coisas voltaram a se acalmar. Foi então que a senhora da família achou por bem comentar que podia sentir o cheiro da chuva. Todos apuraram o olfato e, encantados, concordaram de forma unânime.
Fim constrangedor da batalha
Depois disso, cada um se entregou aos seus próprios pensamentos, que cheiravam à infância. E nessa distração, algumas das nossas crianças tentaram caminhar em direção à chuva, que ainda caia levemente. Com desculpas variadas, conseguimos convencer grande número delas a entrar. E foi então que alguém olhou para o céu e viu uma pomba pousada num cabo de energia, com as asas abertas, aproveitando a chuva para se lavar.
A inesperada visão constrangeu a todos, e aceleramos os passos rumo ao interior da casa, antes que o clima de nostalgia fosse além do limite para uma família de bem. Gosto de pensar que também houve uma garota que se demorou um pouco mais, e que só tornou a entrar quando olhou para cima mais uma vez. E deu graças a Deus.