Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Não, não essa que foi berço da boemia carioca, nem a outra, que foi bairro operário em São Paulo, mas a Lapa que é cidade histórica no Paraná. Ali onde paravam os tropeiros e onde teve lugar o “Cerco da Lapa”, em meio às estripulias da Revolução Federalista. A Lapa é uma cidade a 69 quilômetros de Curitiba – é uma distância segura. Os turistas estão para a Lapa da mesma forma que os pombos estão para Curitiba: tomando conta das principais praças, em número cada vez maior, mais ousados do que nunca, devidamente incluídos na rotina da cidade.
O centro histórico (se é que há algum outro que não seja) conta com 14 quarteirões, cujas ruas são feitas de calçamento. É como se o centro de Curitiba fosse engolido pelo Largo da Ordem. Os homens urbanos certamente veriam com indignação a calçada da Rua Francisco Braga, sem dúvida a mais estreita do Paraná. Mal cabe uma pessoa em cima dela, e essa pessoa costuma encontrar outra, vindo no sentido contrário. Talvez seja uma estratégia do governo municipal para que o cidadão comum pratique uma gentileza, cedendo a passagem a outro lapeano.
Há uma Rua XV de Novembro, como sói haver em todas as cidades, mas ali não é uma avenida de trânsito infernal. São poucos os carros, e dentro de um deles, com o vidro aberto, enxergo um motorista de chapéu que cumprimenta os pedestres. É nesta rua que está o “Pantheon dos Heroes”, onde descansam os cidadãos que, em menor número, resistiram aos revolucionários que vinham do sul. É um marco para que não se afirme por aí que no Brasil não houve guerra.
Sento-me aos pés do General Carneiro, comandante das tropas legalistas, cuja estátua está na praça que leva o seu nome. O General Carneiro não nasceu na Lapa, mas hoje é ali que o seu nome soa melhor. Não acredito que suas cinzas estejam no Pantheon. Ora, o General Carneiro sequer morreu. O número de homenagens que recebe, a frequência com que se pronuncia o seu nome, a importância que representa para a economia da cidade, tudo isso é prova de que o general continua bem vivo no pensamento de uma cidade que se recusa a esquecer.
Na própria praça, fica a igreja de Santo Antônio, cuja porta informa o ano de sua construção: 1784. Há mais de dois séculos, quando o Paraná ainda era São Paulo, quando o Brasil ainda era Portugal, era a este lugar que afluía a comunidade católica da Lapa. Neste dia, a igreja não está aberta, mas há uma porta de onde se pode enxergar o que existe lá dentro, e dali mesmo um senhor e duas senhoras entregam as suas orações – admirável manifestação da fé lapeana.
Encontro a casa aonde Ney Braga veio ao mundo. Muitos governadores do Paraná ainda irão nascer, mas poucas casas terão seus nomes estampados. Há uma quantidade considerável de casas com placas que explicam a razão pela qual nós devemos reverenciá-las por toda a eternidade. Uma garota se aproxima de mim com uma prancheta e pergunta se sou da Lapa. Tenho uma doce vontade de mentir, dizer que sim, sou da Lapa desde o tempo dos tropeiros. Também não tenho coragem de dizer que sou da capital, então apenas nego, tristemente:
– Não, eu não sou da Lapa.
Decepcionada, ela caminha para outro sujeito – dessa vez, um bom e pacato lapeano.