Psicóloga
Um dia por aí ouve-se Dona Maria dizer:
- Essa psicóloga vai ficar rica! Ela sabe qual é a chave da felicidade...
Ao ouvirem esse comentário as pessoas se juntam aos montes à porta da psicóloga para saber qual é a tal da chave da felicidade. São tantas pessoas que é preciso organizar uma fila. A fila vai ficando tão grande que é preciso dobrar o quarteirão para não invadir a rua. Aparecem até alguns espertinhos querendo vender senha para lucrar o seu.
Ao ver a psicóloga chegando, Dona Maria dá um jeito de abordá-la, já que são velhas conhecidas. Cheia de intimidade Dona Maria vai dizendo:
- Vai ficar rica minha filha! Eu que fiz a propaganda, não se esqueça dessa velha amiga.
Ambas riem do jeitinho meigo e atrevido de Dona Maria. Logo a psicóloga responde aos risos:
- Só a senhora mesmo, Dona Maria! Não vai ser dessa vez que ficarei rica, quer ver a fila desaparecer?
Após interrogar sua velha conhecida, a psicóloga vai ao início da fila e pergunta às pessoas o que fazem ali. Uma senhora chorosa diz:
- Quero a chave da felicidade, não aguento mais tanta tristeza.
Um senhor engravatado, sisudo com cara de rico avisa:
- Com a chave da felicidade irei deixar meu trabalho irritante de lado.
Outro rapaz emenda:
- Quero ser feliz o tempo todo. Não aguento mais essa pobreza!
E assim vão se seguindo os comentários pedindo a tal da chave. A psicóloga sem se preocupar em manter seu segredo grita em alto e bom tom.
- Atenção! A chave da felicidade é a criatividade.
Ao ouvir isso a fila se desfaz. Alguns correm , outros andam, outros se sentam na calçada. Algumas pessoas fazem piada a respeito, outras riem, são muitos os comentários. O senhor sisudo diz:
- Ah! É só isso?!
A mulher chorosa, fala em prantos:
- Aaaah! Mas é difícil demais.
O terceiro rapaz, sorridente, exclama:
- Fácil!
Alguns dias se passam e Dona Maria ouve o seguinte comentário por aí:
- Aquela psicóloga não sabe nada! História boba essa de criatividade.
Tenta defender a psicóloga, mas é tudo em vão. As pessoas não querem saber. Preocupada com aquela que tanto gosta, Dona Maria a procura e lhe pede desculpas por ter dito aquilo pela cidade. A resposta da psicóloga é leve e direta:
- Não se preocupe Dona Maria, a senhora já tem a chave, sabe do que está falando. Talvez estas pessoas não saibam o que escutaram.
Logo são interrompidas pela chegada da senhora chorosa que diz:
- Não tenho criatividade! As ideias dos outros são sempre melhores, nunca serei feliz!
Em seguida chega o senhor sisudo e diz:
- Com meu trabalho chato ganho muito dinheiro. Contratei pessoas extremamente criativas que me deram muitas ideias. Cheguei a aumentar meu capital, mas não estou feliz.
Claro que logo chega o rapaz e se queixa:
- Tenho ideias incríveis! Sou muito criativo, mas não tenho dinheiro para colocar minhas ideias em prática. Não estou feliz.
Enquanto essas pessoas vão falando o local onde estão vai se enchendo. São as pessoas da fila vindo buscar satisfações a respeito da tal chave da felicidade. Com isso, começa a psicóloga:
- Bem, quando disse que a chave da felicidade é a criatividade não estava mentindo. Talvez o entendimento de vocês sobre criatividade seja simplesmente diferente do meu. A criatividade que traz felicidade é algo muito íntimo e pessoal. Para ser feliz é preciso criar um conceito de felicidade. O problema é que as pessoas acham que isso inclui ter algumas coisas, como uma casa bem decorada, um carro importado, uma viagem internacional, dinheiro na conta, tudo isso é legal, mas não traz felicidade. Outros acham que é comer tudo o que tiver vontade, fazer o quiser e na hora que quiser, isso é prazeroso, mas é falta de limite e não traz felicidade. O conceito de felicidade tem a ver com uma sensação, um contentamento, uma alegria, mas não alegria o tempo todo, às vezes pode ser uma sensação de paz imensa. O feliz também fica triste, mas suporta essa tristeza e confia que ela irá passar porque tem elementos em sua vida que lhe confirmam essa capacidade de ser feliz. Felicidade verdadeira tem a ver com um jeitinho de viver ético que não tem a intensão de ferir de ninguém. É a certeza de que é possível amar e ser amado.
(Continua na próxima)