Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Que o túmulo de Maria Bueno esteja rodeado por placas de agradecimento é coisa que eu já esperava. Acontece em muitas cidades: uma jovem é morta na flor da idade e desde então milagres começam a ser atribuídos a ela. Maria Bueno é a santinha de Curitiba, assim como Olga Tavares é a de Taubaté, ou Julieta Chaves é a de Sorocaba. Ergue-se uma capela no túmulo e o local passa a receber a visita de peregrinos. Entre os que recebem uma graça, alguns se lembram de agradecer. E mandam fazer uma placa, para que o milagre não seja esquecido.
Tudo isso eu já esperava quando visitei (turista estranho que sou) o cemitério de Curitiba. O que realmente me espantou estava a algumas fileiras de distância, no túmulo do Barão do Serro Azul. Ora, antes de ser uma rua, o Barão do Serro Azul foi um importante político e empresário paranaense, tido como o maior produtor de erva-mate do mundo. Morreu executado, em meio às estripulias da Revolução Federalista. Curiosamente, seus restos não estão no túmulo a ele dedicado. Mas lá está uma plaquinha, em agradecimento por uma graça concedida.
Enquanto caminho pelo cemitério, dou-me conta do motivo para que ele seja objeto de visitação turística: evidentemente, houve em tempos passados uma competição para ver quem passava a eternidade melhor acomodado. O resultado são jazigos enormes e suntuosos, verdadeiros monumentos nos quais só falta uma cascata artificial com filhote de jacaré. Se Lázaro estivesse enterrado ali, Jesus diria “removam a pedra” – e os homens levariam dias.
No túmulo de um faraó, encontro homens retocando a pintura da enorme pirâmide que lhe serve de torre. Ouvem rádio, cantam e assobiam – Memento mori, eu lhes diria. No resto do cemitério só se ouve o vento – o vento e o sinistro balançar dos puxadores de gaveta em cada túmulo. Aproveito a sombra de um grande mausoléu para descansar. Mexo no celular e descubro que existe sinal wi-fi no meio do cemitério. Morto sim; desconectado, jamais.
Um quase-atropelado
Decidi atravessar a rua fora da faixa de pedestres - eu estava com pressa para chegar ao trabalho. Olhei para o lado de lá da pista e não vi carro algum. Do lado de cá, nem olhei: apenas desci da calçada e pus os pés na rua. No que fiz isso, passou a centímetros de mim um carro em velocidade. Foi tão rápido que, se ele houvesse me atingido, eu só daria pela coisa depois de morto.
Fiquei pensando no que teria acontecido se eu realmente tivesse sido atropelado. Logo se ajuntaria uma multidão ao meu redor. O motorista diria que eu havia entrado na frente do carro. Viria a assistência, mas seria tarde. É possível que eu emplacasse uma nota no jornal, quem sabe até na TV (me chamariam de “um jovem”).
Alguém colocaria a mão nos meus bolsos através de identificação, mas só acharia moedas e as chaves da casa. Abriria a minha bolsa. Encontraria um caderno, um livro e uma maçã. Mexeria no meu celular, mas demoraria a descobrir os meus parentes. No meu trabalho, só descobririam depois que ligassem atrás de mim. Mas eu levaria para o túmulo os acontecimentos da reunião que havia acompanhado pela manhã.
Todo esse cenário não me pareceu muito agradável, então é provável que eu preste mais atenção da próxima vez.