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Henrique Fendrich

rikerichgmail.com

Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)

Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF


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Otto vê a goleada da Alemanha

Quarta, 16 de julho de 2014


Estive rapidamente em São Bento e aproveitei para assistir ao jogo do Brasil contra a Alemanha na casa do Otto, o mais alemão dos são-bentenses – vejam vocês que ideia a minha! Ora, o Otto nasceu no Brasil por mera contingência. Espiritualmente, é mais alemão do que o classicismo de Weimar. Mas eu estava curioso para ver como ele reagiria a um Brasil e Alemanha. E, além do mais, eu queria mostrar a ele o resultado de algumas pesquisas genealógicas que fiz sobre a sua família. Fui, pois, até a casa dele.

Quem me recebeu foi a Dona Johanna, sua esposa – acho que nunca falei dela, e muito provavelmente porque estava ocupado demais me deliciando com os seus cuques. Disse que o velho Otto havia saído para comprar fogos e não demorava. Convidou-me a entrar e fui cumprimentar o Otto, o filho do Otto. O filho do Otto não gosta de futebol ou de qualquer coisa que não resolva o problema da saúde ou da educação no Brasil. Para o filho do Otto, o brasileiro só deveria se dar ao luxo de uma distração depois que a última criança da última escola da última cidade recebesse uma educação digna. Até lá, deveríamos ostentar pesado luto e só fazer amor para fins de procriação. É claro que ele não iria assistir ao jogo, ainda mais da Alemanha – Otto, o filho do Otto, já fez uma declaração abrindo mão dos seus genes.

Não dei muita conversa para ele e fui falar com Anita, a sua namorada. Anita olhou para mim e foi sincera como um profeta: “A Copa está comprada pelo Brasil”. Gelei por dentro e quis saber: “Mas como? E essa contusão do Neymar?”. Ela então me lançou um olhar de pena diante de tamanha ingenuidade. Lembrei-me ainda das bolas na trave contra o Chile, mas achei melhor não dizer nada. A Copa está comprada! Quem diria! Anita, vocês sabem, é uma caçadora de teorias da conspiração e, pelo que ela diz, o homem nunca foi à lua e o Fred também nunca foi atacante.

Mas eis que chega o nosso homem – Otto, o Bismarck das Araucárias. Recebeu-me com a costumeira cordialidade. Vestia a camisa da Alemanha. A do Schweinsteiger, é claro: “Ele tem o nome mais alemão de todos”, explicou. Ofereceu-me uma cerveja, mas dessa vez eu vim preparado e mostrei-lhe um atestado da minha gastro. E sentamos no sofá à espera do jogo. Bolas, o que foi aquele jogo? Otto exultava a cada gol. 30 minutos de jogo e não tinha mais fogos. Eu estava aborrecido, mas tolerava tudo aquilo. Até resolvi fazer uma piada: disse que desde a Segunda Guerra que os alemães não faziam uma blitzkrieg como aquela – por algum motivo eles não riram.

Só que chegou um momento que Otto passou da conta. Começou a falar que era a vitória da competência sobre a malandragem, que a disciplina havia sepultado o jeitinho brasileiro, que o chopp era muito melhor que a caipirinha, e por aí afora. Não me aguentei e joguei-lhe na cara: “Otto, você nem é alemão. É mais brasileiro do que o spray que o juiz usa. E outra, seus antepassados eram austríacos e lutaram contra a Alemanha”. Ele se assustou, mas eu continuei: “E sabe aquela sua única bisavó brasileira? Descobri que ela tem origens na Bahia. Na B-A-H-I-A”. E então, como o jogo estava perdido, levantei-me, peguei outro cuque, e fui embora.



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