Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Mostrei a ela uma página bobinha que havia escrito. Ela leu e disse que achou tudo muito bonito, parecia um texto de época. Não entendi o que ela quis dizer com isso, pois até então eu achava o texto bem contemporâneo. Ela explicou que era improvável a existência em nossos dias de personagens tão ingênuos e inocentes. Embora eu soubesse que aqueles personagens existiam e viviam no presente, fiquei pensando se a inocência já pode ser considerada coisa ultrapassada.
Inocência é, de fato, uma coisa muito antiga, do tempo do Visconde de Taunay. E talvez ela não tenha lugar pior para florescer do que aqui, nestas terras de Vera Cruz. Ora, a inocência é o próprio anti-Brasil, pois se a cultivássemos teríamos que largar a malandragem, e se tem uma coisa que gostamos de considerar própria do brasileiro é a malandragem - “no bom sentido”, é claro. O próprio Deus se tornou brasileiro para que possamos exercer a malandragem sem culpa. Não se espera de um inocente que conheça as artimanhas do nosso bom e velho jeitinho brasileiro. Assim, se há inocentes, deve ser em outro país. Na Ásia, por exemplo. Sempre me pareceu que os asiáticos são mais inocentes do que nós – e quem duvida basta observar a zaga da Coreia.
Assim, aos que ainda acreditam no que ouvem, que não enxergam malícia ou segundas intenções, que são passados para trás, que sem perceber deixam passar oportunidades de levar vantagem, que a mentira nem chega a passar pela cabeça, que não conhecem os atalhos, que fazem coisas de graça, que ajudam quem não merece, que são tidos como otários, que são acusados de não serem tão ingênuos quanto dão a entender, que são motivo de chacota, que não entendem as piadas, que fazem perguntas bobas, que ficam sem jeito, que coram de vergonha, que são românticos, que amam platonicamente, que continuam virgens, que têm esperança, que acreditam que ainda é possível fazer alguma coisa para mudar o mundo, só resta uma coisa a dizer:
- Sabe de nada, inocente!
Outras notinhas da Copa
Como estou decidido a torcer por todas as zebras possíveis, sentei-me no Lounge da Copa e me dispus a secar a seleção de Portugal. O problema foi que se sentaram ao meu lado dois portugueses, portugueses legítimos, daqueles de Portugal. Na hora do hino, um se levantou, o outro ficou de joelhos, e os dois cantaram vivamente: “Às armas! Às armas! Sobre a terra, sobre o mar”. Ao final, não restou a nós, brasileiros, outra coisa a fazer senão aplaudi-los. E como também era visível o sofrimento deles durante a partida, sempre a espera de uma jogada do Cristiano “Runaldo” que nunca vinha, eu não consegui torcer contra a seleção de Portugal.
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Uma vez que nenhum de nós sai mordendo os outros por aí, ao contrário do Luis Suárez, estamos muito confortáveis para chamá-lo de selvagem, de animal, de não-civilizado, de pessoa a ser banida do convívio em sociedade. E pouco importa se, no dia a dia, cultivamos a inveja, a vingança e outros sentimentos predatórios.
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Mas uma coisa ninguém pode negar: mesmo perdendo, o Uruguai jogou mordido contra a Colômbia.