Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Ah, esses sobrenomes estrangeiros! Aí onde eu nasci, Fendrich é um sobrenome comum, inclusive nome de açougue e padaria. É uma família tradicional e a todo momento alguém me pergunta “de qual Fendrich” eu sou. Mas aqui em Brasília este é um palavrão ainda desconhecido, e eu seria o seu único portador na lista telefônica, caso a situação permitisse que eu tivesse um telefone. Por aqui, meu sobrenome jamais é pronunciado, apenas soletrado. Eu mesmo não o pronuncio: quando perguntam como me chamo, digo “Henrique Vou Soletrar o Sobrenome”.
E olhe que não é dos mais difíceis, pois por aí existem preciosidades como Gschwendtner e Pfützenreuter. Isso para não falar nos sobrenomes poloneses, como Gliszczynsky e Kleszczewsky, claramente criados quando o escrivão apertou aleatoriamente várias teclas da máquina de escrever ao mesmo tempo.
Em geral, as pessoas escrevem o que soletro (visivelmente aborrecidas por eu não ser um Silva) e então olham assustadas para aquilo que acabaram de escrever. Algumas arriscam uma pronúncia, geralmente carregada de chiado: Fendrishhh. Perguntam se é assim que se fala. Na verdade não é, mas eu costumo dizer que é por aí. Isso para evitar uma maçante explicação sobre a pronúncia desse CH em alemão. Mas é claro que, quando quero me engrandecer, digo que o meu CH é o mesmo de Bach: um som feito pela garganta, parecido com os dois R em português. E lá vai a pessoa tentar repetir o som: rr, rr, rr. Por vezes alguém escuta e, sem saber do que se trata, fica esperando a cusparada.
Quanto à origem, perguntam se é alemão. Na verdade é austríaco, mas há tão pouca diferença entre a Áustria e a Alemanha para quem nunca esteve lá que acabo concordando que é alemão. Quando você diz que o seu sobrenome é alemão, é como se dissesse que seus olhos projetam raios laser: todos lhe olham com respeito e admiração. Uma mãe chegou a me oferecer a mão da filha para que ela herdasse um nome chique. O sobrenome dela? Silva.
Meu amor por dois reais
Já é noite e eu caminho na direção de um supermercado quando vejo um homem na faixa dos 40 anos, meio gordinho e com roupas simples. Pergunta-me se Taguatinga está muito longe. A pergunta me parece absurda – estamos a quilômetros de Taguatinga. Digo que é preciso pegar um ônibus. Ele me olha assustado: “Será possível que me enganaram?”. E começa a me contar a sua história, mas de forma tão atropelada que eu pouco consigo entender. Sei apenas que saiu de casa ainda de manhã para uma entrevista de emprego e que alguma coisa não deu certo e agora ele não sabe o que fazer. Sinto compaixão pelo seu sofrimento. Não me pede, mas estou disposto a dar o dinheiro da sua passagem. Custa três reais, e eu hesito quando lembro que a nota mais baixa que tenho é uma de cinco. Sorrio amarelo e digo que também não sei como ajudar. Ele agradece, diz que já fiz uma grande coisa simplesmente ao ouvi-lo.
Sigo meu trajeto, mas não esqueço aquele homem e, no meio do caminho, tomo a decisão: vou dar os cinco reais para ele. Dou meia volta, mas já não o encontro, perdido na escuridão da noite.
Ignoro se chegou a Taguatinga ainda naquela noite. Se não fosse o meu amor por dois reais, certamente teria chegado.