Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
O meu sonho é ser mãe, ela disse. E eu fiquei pensando no tipo de mãe que ela vai ser e achei aquele sonho muito acertado, porque ela é amorosa e leva jeito com as crianças. Ainda é uma moça jovem, mas já está casada há alguns anos, o que me fez perguntar se havia alguma previsão para que tivessem o primeiro filho. Ela ficou séria e disse que ainda não havia como. E explicou: “Vou fazer um concurso público agora. Preciso focar em passar para ter dinheiro e então poder ter um filho”. Admirei-me da resposta, porque ainda não havia me ocorrido o óbvio, ou seja, que para ter um filho é preciso antes ter algum dinheiro.
Mas eu ainda quis fazer uma objeção e brinquei que a nossa geração sequer teria nascido se nossos pais pensassem assim. Ela não riu e disse que eram outros tempos. E começou a contar a história da sua criação, a dura vida no interior que fez com que visse os seus pais menos do que gostaria, mas que não impediu que fosse amada, cuidada e hoje estivesse onde está. Falou que a mãe tinha a ajuda das vizinhas para olhar os mais pequenos, lembrou que o custo de vida era mais barato, e comparou com a sua própria situação hoje: não conhece vizinhas, sua mãe mora longe, o custo de vida é mais caro e ela, provavelmente, ainda vai precisar pagar uma babá. Disse ainda que quer curtir o seu filho e ter dinheiro para dar uma boa educação e orientação para que ele saiba reconhecer as oportunidades da vida. E concluiu, gravemente: “Um filho hoje não se pode jogar no mundo sem ter como criá-lo”.
Quis saber como ela conseguirá, nesses tempos de correria, dedicar mais tempo ao seu filho, e ela me contou que os professores podem escolher a quantidade de horas que prestam serviço e que as assistentes sociais concursadas trabalham apenas 30 horas por semana – além, é claro, de terem estabilidade no emprego. Como é difícil realizar um sonho, observei. E fiquei imaginando um mundo em que só poderão ter filhos aqueles que trabalharem para o governo.
Todo aquele frisson
De repente eu me vi cercado por adolescentes que esperavam ansiosamente na frente de um hotel. Resolvi parar e tentar descobrir quem era a estrela que deveria passar por ali. Logo começaram a gritar escandalosamente, o que me levou a concluir que a estrela já estava lá dentro e se preparava para sair. Estiquei os olhos na tentativa de identificar o responsável por todo aquele frisson, mas o problema é que eu estava longe demais para enxergar alguma coisa.
Dali a pouco os gritos se tornaram mais agudos e um vulto entrou na van que, estrategicamente, se posicionava logo na porta do hotel. Abriu-se um espaço, o motorista arrancou, a van passou bem ao meu lado e eu enfim descobri de quem se tratava.
Isto é, mais ou menos. Vi que era uma mulher, mas eu não me lembrava de já tê-la visto alguma vez. Foi preciso que eu entrasse no Google para pesquisar quem é que estava fazendo show em Brasília naquele dia. Pois era a Demi Lovato, aquela famosa cantora que eu, na minha caretice, jamais havia ouvido falar. Estive pertinho dela sem ter a menor ideia de quem fosse. Mas justiça seja feita: a Demi Lovato também não fazia a menor ideia de quem a observava.
E pior: ela nem irá jogar no Google.