Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
O noticiário esportivo nos últimos meses também tem sido, com frequência, o noticiário do racismo. Mais recentemente, chamaram a atenção da mídia o episódio da banana atirada contra o jogador Daniel Alves e os comentários do dono do Los Angeles Clippers sobre a sua namorada tirar fotos ao lado de um negro – um negro que, diga-se de passagem, era o Magic Johnson.
Na justa indignação provocada por essas atitudes, surge a perplexidade diante da constatação que, em pleno século XXI, questões raciais ainda são usadas para definir comportamentos. Mas isto se explica porque a evolução de uma sociedade não é necessariamente a evolução dos indivíduos que dela são herdeiros.
A civilização é feita a partir de um salto do ser humano em direção à sua própria humanidade. Quanto mais civilizada for uma sociedade, menos ela cederá aos instintos naturais que carrega consigo desde o nascimento. Mas, por maiores que tenham sido os esforços de civilização ao longo da história humana, nenhum indivíduo está livre do momento em que precisa decidir se irá reconhecê-los. A conquista da humanidade é pessoal e intransferível, nem sempre consequência direta do grau de evolução de uma sociedade. À medida que uma sociedade evolui, apenas se tornam mais flagrantes as escolhas contrárias a essa evolução.
Assim é que respostas como o racismo, a violência ou a vingança se tornam cada vez mais incompreensíveis, mas nem por isso deixam de existir e, infelizmente, com frequência. A herança de lutas contra a segregação racial não é transmitida pelo nascimento, mas se constitui em repositório a que cada indivíduo deve recorrer na luta contra sua própria natureza.
A grande dúvida é saber como uma sociedade em que a própria evolução não passa de uma escolha, e com difíceis implicações pessoais, tenha sido capaz de, mesmo assim, produzir avanços civilizatórios. Talvez não tenha sido tanto pelos nossos méritos como por uma simples questão de sobrevivência.
Por falar em violência
Em 1985, Hélio Pellegrino escreveu um artigo sobre a pena de morte em que a enxergava como um crime contra a justiça e o esforço civilizatório da raça humana. Na sua visão, ela tinha como fundamento não o desejo de reparação ou de justiça, mas a sede bruta de vingança. Chamava a atenção para a situação irreparável que ela gera, o que só seria minimamente legitimável se os julgamentos humanos tivessem um grau absoluto de certeza. Também apontava a incompatibilidade entre a pena e uma visão cristã do mundo, além de destacar o quanto estamos comprometidos com a injustiça e, em resultado, com a delinquência.
Lembro-me deste artigo sempre que se fala em “justiça com as próprias mãos”. Mesmo após milênios de “esforço civilizatório”, ainda há disposição para fazer uma guerra se acreditarmos que ela nos trará a paz. E, se não trouxer, ao menos nos vingará daqueles que já condenamos à pena de morte moral. Até porque, como não me vejo no outro, que jamais será o meu próximo, também não tenho nenhuma responsabilidade sobre ele.
Do mesmo artigo pinço a frase: “Humanizar-se – ou hominizar-se – é poder suprimir ou sublimar os impulsos primitivos que nos levam a combater o crime – com o crime”.
Astúrias. Um ônibus em que se lia Kafka, Orwell e Miguel Ángel Astúrias. Praticamente a França.