Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Quanta confusão, quanto mal entendido! De repente, você se dá conta de que é humanamente impossível que duas pessoas cheguem à mesma conclusão sobre um assunto. E de que nada é mais desgastante do que tentar convencer alguém de que você está certo, porque do outro lado estará alguém tentando fazer exatamente a mesma coisa. Por “estar certo” entenda-se “conhecer todas as variáveis possíveis e imagináveis sobre um assunto”. É este o conhecimento que reivindicamos para nós e que nos habilita a rechaçar qualquer contradição que – oh, ousadia! - tentarem nos apontar.
Estes, os que pensam diferente, nós conhecemos bem, sabemos exatamente quem está por trás do que eles pensam. Podemos olhá-los com superioridade e dizer que “com gente assim é impossível discutir”. O outro, definitivamente, não tem nada a nos acrescentar, pois não passa de um comunista, um reaça, um marxista, um fascista, um esquerdopata, um coxinha – isso para ficar apenas no campo da política. Sem falar que os métodos do outro são pouco recomendáveis, pois é sempre ele o preconceituoso, o xiita, o fundamentalista, aquele só enxerga o que ele quer.
Tudo leva a crer que existam apenas dois modos de enxergar o mundo – o nosso e o errado. E, em nome da verdade, não é possível abrir concessão nenhuma ao pensamento rival. Se derem um espaço para nos expressar – o comentário de uma notícia, uma rede social, um fórum de debate – iremos mostrar como somos felizes por estarmos certos e como vivemos sem nenhuma dúvida. Porque já não há mais o que pensar no mundo, cabendo a cada qual se posicionar do lado certo.
Nada sei sobre os possíveis méritos da funkeira Valesca Popozuda como grande pensadora contemporânea, que foi a qualificação que lhe deu um professor de Filosofia aqui de Brasília. Mas parece-me absolutamente verdadeiro um dos pensamentos embutidos no seu hit do momento: “Bateu de frente, é só tiro, porrada e bomba”. E aqui dois papos não se cria nem faz história.
Quem come carne
Sujeito chegou no restaurante, caminhou até a primeira mesa vazia que encontrou e depositou a sua mochila em uma das cadeiras. Era um senhorzinho de óculos com mais de 60 anos. Olhou ao redor antes de fazer um movimento em direção ao buffet para se servir. A mochila ficou lá, desprotegida mesmo. No meio do caminho parou, se virou para as pessoas que já almoçavam e anunciou, em alto e bom som: “Quem come carne e alimentos de origem animal vive em média 25 anos a menos”. Falou isso e continuou caminhando, como se tudo fizesse parte do mesmo ritual e ele tivesse acabado de cumprir uma obrigação – estavam todos, pois, avisados. Por um momento o restaurante silenciou e as pessoas olharam para os bifes que comiam. Mas durou só alguns segundos, porque logo em seguida todo mundo olhou para o homem e o deu como louco. Saudável, mas louco.
Sujeito nem percebeu e começou a se servir. Dali a pouco estava de volta ao seu lugar. Próximas a ele, muitas pessoas esticaram o pescoço para ver que tipo de comida devem comer aqueles que não estão dispostos a perder 25 anos da vida. Enxergaram um prato repleto de legumes e verduras. Mas a primeira mordida do sujeito foi mesmo em um punhado de batata frita.