Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Aproveitei o Carnaval para passar uns dias em São Bento na casa do Otto, o Bismarck das Araucárias. Como bom brasileiro, o Otto não gosta do Carnaval – e é verdade mesmo: a maioria dos brasileiros não gosta. Mas antes de falar de Carnaval a gente falou sobre a Praça Getúlio Vargas. Ano passado a gente tentou, em vão, tirar Getúlio Vargas da praça: fomos impedidos por forças ocultas. Agora o Otto me avisou que a praça está mais pelada do que a Vênus de Botticelli. De início não quis acreditar e disse que só me convenceria se eu pudesse sentir as suas chagas. Pois o Otto me levou até lá e eu vi com os meus próprios olhos a praça nuinha, nuinha. A visão me deixou bastante desorientado e com duas ou três voltas pela praça eu já não sabia mais onde eu estava (achei que estava virado para a Travessa José Zipperer, mas era a Jorge Lacerda).
Quando Otto me resgatou, eu aproveitei para perguntar se não haviam cogitado aproveitar a poda da praça para dar a ela um nome mais condizente, mas ele foi sincero como um cavalheiro do Apocalipse: ninguém havia pensado nisso. As árvores centenárias se foram, mas o presidente continua lá – ele não brincava quando disse que saia da vida para entrar na história. Vão-se as árvores, mas as adulações são eternas.
É evidente que o filho do Otto não derramou uma mísera lágrima pelas árvores que precisaram ser cortadas. Otto, o filho do Otto, nasceu sem passado – não houve jeito de lhe transmitir características hereditárias. Para ele, uma árvore centenária tem o mesmo interesse de um calendário do ano passado e deve ter o mesmo destino. “Plantam-se outras e fim de papo”, disse ele, prático como uma motosserra.
Esgotado o tema da praça, falamos do Carnaval. Ou melhor, não falamos do Carnaval. Falamos do Brasil, esse país tropical em que a má sorte fez Otto nascer. Otto, já disse tantas vezes, é o mais alemão dos são-bentenses – e não tem certidão de nascimento nem teste de DNA que prove o contrário. Pois o Otto começou a falar do Brasil, e a falar mal. Perguntou se eu havia visto o que uma revista francesa disse sobre o Brasil. A revista havia desancado o Brasil de tal maneira que a coisa mais lógica a se fazer era o suicídio coletivo. E o Otto citava, uma a uma, as críticas da revista, e era coisa de se ver como seus olhos brilhavam de emoção. E então veio a pergunta fatal: “E você, o que acha?”.
Não sei por que, mas o Otto realmente leva em consideração aquilo que eu penso. É uma admiração que nasce das minhas pesquisas históricas. Para ele, isso me torna mais alemão do que o jovem Werther. Pois eu tive que dizer o seguinte: a revista francesa não havia dito quase nada daquilo. Otto recuou, incrédulo. Insisti e perguntei se ele por acaso havia visto a revista. Ele negou, até porque só fala a língua de Goethe e, meio a contragosto, a de Machado. Pois eu confessei o seguinte: também não vi. Mas só de olhar para aquela lista eu já sabia que havia sido feita por um brasileiro, tão brasileiro quanto a urna eletrônica. E disse mais: se alguma revista escrevesse tudo aquilo sobre o Brasil, nós cortaríamos relações com a França. Otto ouviu tudo aquilo impassível: “Mas que é verdade, isso é...”.