Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Imaginemos que não o STF, mas o próprio Tribunal Celestial tenha condenado os réus do mensalão. Aos simpatizantes do grupo, apenas substituam os nomes por outros do mensalão tucano.
Pois eles foram julgados pela justiça divina, a qual, convém lembrar, não admite recurso. Em sua infinita sabedoria, Deus avaliou que uns eram mais culpados do que outros, razão pela qual houve quem fosse mandado direto ao inferno e outros ao purgatório (espécie de regime semiaberto). Misericordioso, Deus tem aceitado receber pedidos de revisão de pena, já que todos se consideram inocentes. José Genoíno, por exemplo, embora esteja morto, alega problemas de saúde e pede para cumprir pena em casa. Como lê os pensamentos, Deus não gostou nada de saber que Genoíno se considera preso político.
Pior fez José Dirceu que, ignorando a possibilidade de ser fulminado, disse abertamente que pretende anular essa “sentença espúria” e que se preciso for irá apelar à Virgem Maria. Em nota psicografada em sessão espírita, Dirceu disse ainda que causa estranheza que um ser superior, com no mínimo seis mil anos de experiência, tenha escrito um mandado tão inespecífico como este.
Também foi este o tom de Delúbio Soares, que inclusive demonstrou surpresa com a confirmação da existência de alguma coisa superior ao seu partido. Marcos Valério, por sua vez, fez duras críticas aos querubins que o levaram preso, acusando-os de “incompetência total”. Pizzolato tentou fugir para a Itália, o que não foi um bom negócio, pois Deus tem representantes em Roma.
No mundo dos vivos, prepara-se um ato de desagravo contra as arbitrariedades divinas e cogita-se até mesmo processar Deus por crime de responsabilidade. Por outro lado, adversários políticos como Aécio Neves já vislumbram a possibilidade de ter Deus como ministro ou até mesmo vice-presidente em um eventual governo oposicionista.
Lá de cima, Deus pensa se não está na hora de mandar outro delúbio de quarenta dias e quarenta noites.
A vida é assim
Eu caminhava na direção de um supermercado quando encontrei na calçada um casal conversando em voz baixa. Deus é testemunha que não fiz esforço algum para ouvir a conversa. Mas pude ouvir o homem sussurrar para a mulher: “Você precisa entender que infelizmente a vida é assim”. E então eu me dei conta que aquele casal estava tendo uma conversa difícil, e tão necessária que estava sendo feito no meio da calçada.
Apesar das palavras, pareciam calmos e serenos. O homem tentava explicar alguma coisa que a mulher se recusava a aceitar. O que era natural, pois não há argumento mais difícil de aceitar do que “a vida é assim”. E, no entanto, por mais que se lute contra, muitas vezes a vida é assim mesmo. Mas minha tendência é ficar ao lado de quem não se conforma, e por isso desejei que aquela mulher tivesse razão, que a sequência dos fatos mostrasse ao homem que ainda é possível esperar coisas diferentes da vida.
Não, não, a vida não precisa ser assim! - era o tom do discurso que eu esperava ouvir da mulher. Mas, fosse porque estava na rua, e eu ainda estava por perto, ou porque havia se convencido de que não havia nada a se fazer, ela silenciou. E eu parei de me intrometer na vida alheia.