Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Está decidido: se tudo o mais falhar, eu vou para a cadeia. Tomei essa decisão depois de ler, estupefato, a notícia de que os presos do Distrito Federal leem quatro livros por mês. Não um ou dois presos, mas 70% deles. Digamos que é uma média um pouco superior à dos brasileiros livres, civilizados, pagadores de impostos, gente do bem, que com sorte chegam aos quatro livros por ano. Um espírito divisionista – alguém que lê menos de quatro livros por mês – apontaria as suas objeções: os presos leem só para reduzir a pena, e com esse estímulo até eu. Diria ainda: eles têm tempo para ler, ao contrário de mim, que trabalho o dia inteiro e ainda estudo e cuido da casa.
De fato, existem projetos que associam leitura – e produção de resenhas – à redução de pena. Mas a pesquisa também comprovou que existe uma tendência natural do preso à leitura independente do estímulo – imagine: o que você iria querer fazer se ficasse 22 horas por dia trancado numa cela? Outro dado: 50% dos presos declararam que leem para adquirir conhecimento. Para 24% dos homens presos a leitura representa prazer e para 10% é refúgio. A notícia cita ainda nomes como Machado de Assis e Oswald de Andrade entre os autores mais lidos.
O problema do tempo para a leitura de quem está livre realmente existe – somos cada vez mais oprimidos pelo trabalho, pelo consumo, pela tecnologia. Este é inclusive mais um motivo para não se ter carro e viajar de transporte público, lendo durante a viagem. Não é confortável, dirão. Realmente, não é confortável. Mas por acaso é confortável ler numa cela do sistema prisional brasileiro? Caso um dia as obrigações me tirem todo o tempo da leitura, faço igual aos Irmãos Metralhas, que um dia decidiram ser presos só para aproveitar a ceia de Natal na cadeia. Dou um jeito de ir preso (falta de pagamento de pensão parece ser o crime mais apropriado).
E a próxima Feira do Livro de Brasília já tem lugar certo: é na Penitenciária da Papuda.
Contra a escuridão
E Deus disse: Não haja luz! E não houve luz. E como sem luz era impossível trabalhar, viu o homem aqui que ela realmente era uma coisa boa. Caminhei até o corredor e pude ver que de todas as portas do prédio saiam pessoas subitamente inutilizadas pela falta de energia. Trocamos palavras de mútua compreensão e começamos a nos relacionar, coisa que não tínhamos o hábito de fazer no tempo em que ainda era possível distinguir a luz das trevas.
Depois de nos certificarmos de que a queda havia sido geral, voltamos para nossas salas, onde veríamos se ainda era possível fazer algum trabalho. Sentei em frente à tela escura do computador e comecei a mexer no celular, único refúgio contra a escuridão. Era cedo demais para ir embora. Trabalho sozinho, então não havia com quem conversar. O mais terrível era que, sem luz, eu também estava incapacitado para ler. Reparei que algumas baratinhas acharam que já era noite e começaram a sair de seus buracos.
Ninguém mais trabalhava e ninguém mais saia do lugar, já que não estávamos dispostos a descer 14 andares pela escada. Entediado, eu evitava pensar que dali a algum tempo também acabaria a bateria do meu celular – aí sim, haveria trevas sobre a face do abismo.