Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Como ando diariamente de ônibus e com frequência aproveito a presença feminina neles como inspiração para a literatura e para a vida, assustou-me um pouco a proposta de um vereador de Curitiba para a criação de um ônibus rosa destinado exclusivamente às mulheres. Imediatamente pensei também em um casal que se conheceu dentro do ônibus na volta para casa. Assim como nas outras metrópoles em que medidas semelhantes foram adotadas, a proposta é diminuir o número de assédios no transporte coletivo, coisa que miseravelmente acontece e não é pouco não.
Já apelidado de Panterão, o ônibus rosa seria colocado em circulação nos horários de pico e nas linhas de maior movimento. Evidentemente, esse tipo de abuso não acontece em uma situação em que a maior parte das pessoas está em condições de se sentar e ter uma viagem minimamente confortável. Como aparentemente já se desistiu há muito tempo de resolver o problema da superlotação do transporte público nas grandes cidades, e havendo a necessidade de se coibir a prática de um crime, sugere-se agora repartir o desconforto dos passageiros de acordo com o sexo.
Por mais que intuísse não ser essa a saída ideal para o problema, precisei consultar a opinião de algumas líderes femininas para me certificar que ela realmente é equivocada. Segundo uma jornalista, a medida reforça a ideia de que nada está sendo feito para acabar com o machismo e que, na falta de ações concretas, cabe às vítimas agora serem postas de lado. Em situação semelhante no Rio de Janeiro há alguns anos, uma antropóloga afirmou que estava se admitindo implicitamente um impulso irresistível dos homens, inscrito na sua natureza e incapaz de ser controlado, razão pela qual as frágeis mulheres deveriam ser separadas.
Sendo eu homem, e não tendo encontrado em mim impulso algum que me leve a cometer esse tipo de abuso, levanto-me também contra propostas como essa e defendo o meu direito de partilhar da presença feminina no transporte coletivo.
Caminhadas de verão
Agora que estamos no horário de verão, às vezes aproveito para dar uma caminhada depois que chego em casa do trabalho. Passo bem ao lado das casas na Asa Sul e a maioria delas me irrita profundamente, porque pouco tem a ver com uma casa. São esconderijos em que o próprio morador não consegue enxergar a calçada em frente. Nunca há alguém aproveitando a varanda ou mexendo no jardim. Nas salas de estar eu consigo ver televisões ou pessoas estiradas no sofá. Definitivamente, não há ninguém entusiasmado com a claridade a mais proporcionada pelo horário de verão. Eu tenho vontade de chamá-los para fora, mas a verdade é que mal consigo olhar para eles, pois estou certo de estar cometendo uma indiscrição, violando a intimidade que a tanto custo querem preservar.
Em algumas casas vejo gatos solitários e cachorros tristes. Num sobrado, vislumbro no segundo andar uma estante antiga repleta de livros. Acho bonito e tenho curiosidade de saber que títulos são aqueles e que tipo de pessoa habita aquele quarto. Ainda estou pensando nisso quando aparece uma senhora disposta a fechar a janela, coisa que de fato fez, mas só após me olhar com ar extremamente desconfiado.