Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Acho uma coisa muito bonita que os jornais, pelo menos no interior, ainda mantenham uma coluna chamada “Pretendem se casar”. E embaixo desse título, meio esperançoso e também meio incerto, vai arrolada a lista daqueles que já deram início aos trâmites para enfim viver uma vida em comum. Eu lia justamente o nome dessas pessoas, na esperança de identificar alguém conhecido, quem sabe um velho amigo, pois estamos todos em idade de se casar, ou um parente distante, ou pelo menos alguém que eu soubesse vagamente quem era, e que me faria pensar com graça “Veja só, o Fulano está para se casar”. Mas, enquanto eu percorria os nomes com os olhos, eu intimamente já sabia o que iria encontrar. E, de fato, lá estava, no meio da lista, o nome daquela que um dia eu tanto amei.
Recebi aquela informação com naturalidade – afinal, já fazia tempo, tanto tempo que não havia mais desejo algum, nenhum ciúme, sequer despeito. Era natural que crescesse, conhecesse pessoas, se interessasse por uma em especial, e um belo dia, medidas todas as consequências desse grave ato, pretendesse se casar. É isso que agora avisa o jornal, para toda a cidade, mas sem deixar indício de que um dia já se pensou em construir história diferente.
Foi em um tempo mais inocente, quando se começava a amar muito tempo antes de trocar as primeiras palavras. Amava-se por observação. E como se observava! Eu sabia exatamente o momento em que ela chegava, ouvia tudo aquilo que acontecia ao seu redor, e me esforçava heroicamente para sustentar uma naturalidade que eu não tinha. É preciso confessar que muitas vezes eu só agia de determinada maneira, ou só falava determinadas coisas, porque sabia que ela estava por perto, vendo e ouvindo, e principalmente interpretando tudo o que eu fazia. Era um jeito engraçado e silencioso de chamar a atenção, e quem sabe convencê-la de que talvez não fosse tão absurdo assim viver uma história com aquele magrelo.
Percebi que a coisa havia ficado séria quando me vi escrevendo um soneto – eu que não gosto e nem entendo poesia, eu que tenho o ouvido entortado. Mas eu estava no tempo errado e de início não consegui muita coisa além de dar bandeira. Apenas no último dia é que tive a certeza que tanto esperava. Caminhávamos sozinhos a certa distância e aconteceu dela dobrar uma esquina e eu seguir reto. Seguimos adiante, mas ela se virou para mim e me encontrou olhando para ela. Sustentamos o olhar por segundos intermináveis. E através dele dizíamos tudo que precisávamos saber. Foi realmente uma pena que eu não tenha reagido naquela hora, e que depois disso nós nunca mais nos tornamos a ver.
E agora eu vejo esse nome escrito no jornal, esse nome que eu sei detalhes que nem o redator, nem o escrivão, nem o padre sabem – sei exatamente de que parte ela não gosta. Também sei que escrevem o sobrenome errado. Sei muitas coisas, guardei a data e até mesmo o horário em que nasceu, coisa que ouvi uma vez, uma informação inútil e sem propósito que só podia ser guardada com carinho. Mas tudo o que sei agora é que ela pretende se casar, no que faço muito gosto, e com isso já estou preparado para a leitura das próximas colunas com os nascimentos da semana.