Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Em dezembro, fiz a minha visita anual ao Otto, o mais alemão dos são-bentenses. Recebeu-me como receberia o próprio Bismarck. A efusão foi tamanha que tive o cuidado de alertá-lo que parecia italiano. Otto riu e perguntou se eu queria beber alguma coisa. Perguntei se tinha iogurte. Otto riu mais ainda. Ofereceu-me uma cerveja, que recusei. Foi visível então a mudança no seu humor. Até hoje Otto não aceita minha abstinência. Ficou melancólico, e então me confessou uma espantosa descoberta que estava tirando seu sono.
Já contei aqui que Otto é alemão de quatro costados. Mas pesquisando a sua árvore genealógica, Otto descobriu uma bisavó de família brasileira. Vinha de Campo Alegre, a distinta. Era o único caso de brasileiros em toda a sua árvore, e essa descoberta o aterrorizou. E num esforço que só a indignação é capaz de produzir, Otto decidiu investigar melhor essa história. Consultou sites, ouviu pessoas, e descobriu o seguinte: Campo Alegre, na verdade, havia sido colonizada por imigrantes espanhóis, alemães, poloneses e lituanos. E mais: originalmente, a cidade se chamava Froeliches Feld, que nada mais é do que a versão da língua de Goethe para Campo Alegre.
Otto exultou diante dessa última descoberta, e eis o que concluiu: sua bisavó, apesar do sobrenome brasileiro, era provavelmente uma imigrante espanhola que por acaso vivia no meio de uma colônia alemã - tão alemã como todos os seus outros costados. Embora reconfortado com essa conclusão, Otto ainda estava inseguro e queria ouvir a minha opinião como pesquisador da história local. Suspirei.
Brasileiros!
Fui sincero como a fórmula de Bhaskara: a colonização de Campo Alegre não foi feita por imigrantes. Sejam eles espanhóis, alemães, lituanos, afegãos ou escandinavos. Os primeiros moradores da cidade eram tão brasileiros quanto a Amazônia, e mais: eram tão paranaenses quanto a Araucária. Diante da força dessas palavras, Otto protestou: “Mas então todos os sites estão errados?”. É mais ou menos por aí. Um dia alguém quis tornar mais elegante a história da cidade e então criou-se uma versão que atribui uma origem europeia. Não satisfeitos, deram a ela um nome alemão. Alguém publicou isso na Internet e todos começaram a repetir – especialmente os sites de turismo. Bem se vê que não é apenas a história de São Bento que é refém de vãs repetições.
Tentei consolar Otto: lá atrás (bem lá atrás), havia sim uma origem europeia. Veja o caso da família Cubas, por exemplo. Provavelmente está na lista que alguém chamaria de imigrantes espanhóis. Pois bem. Os Cubas eram paranaenses de São José dos Pinhais, que anteriormente eram paranaenses de Curitiba, que anteriormente eram paulistas, e que anteriormente eram portugueses. É verdade que se passaram três séculos entre a saída de Portugal e a chegada em Campo Alegre, mas aí está a origem europeia tão desejada. Os Munhoz, de imigração mais recente, tem origem realmente na Espanha, mas quando chegaram a Campo Alegre já estavam há algumas gerações no Paraná – e quem nasce no Paraná, pelas nossas leis, ainda é brasileiro.
É melhor pararmos por aqui, enquanto o Otto absorve estas tristes informações. Semana que vem a gente continua.