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Henrique Fendrich

rikerichgmail.com

Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)

Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF


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A vida aos pedaços 2

Segunda, 05 de novembro de 2012

A vida aos pedaços 2

Véspera do Dia de Finados e eu lembrei que há alguns anos eu quis fazer uma entrevista com um antigo colunista, se não me engano de cinema, da “Gazeta do Povo”. Encontrei seu telefone, liguei e fui atendido por uma criança. Chamei pelo homem e a criança não entendeu. Resolveu chamar a mãe. Já meio impaciente, repeti que queria falar com o homem, fazer uma entrevista com ele. E a mulher disse então algo que não me deixou resposta:

- Mas ele já é falecido! E há muito tempo!

 

***

Também aconteceu o inverso. Renato Toniolo, um antigo colunista social, foi me dado como morto. Encontrei um Toniolo aposentado, com sérios problemas de visão e outros tantos de locomoção – mas não estava morto, coisa que reparei tão logo pus os olhos nele.

O que já havia morrido era o seu passado, cheio de histórias divertidas que a ninguém mais interessava ouvir. E aquela foi provavelmente a última vez que teve oportunidade de contá-las – alguns meses depois ele morria para valer.

 

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Voltava a pé de um exame de rotina. Ou ia para um deles. Ligou para namorada, que caminhava para o trabalho. Falaram pouco – ele achou que era perigoso falar no celular nessas ruas malucas de Curitiba. Em seguida, foi colhido por um ônibus biarticulado enquanto tentava atravessar a rua. Assim morreu no começo deste ano o melhor professor que tive na faculdade.

 

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O futuro é uma frase dita por meu avô materno. De vez em quando, ele previa coisas – e, invariavelmente, não previa coisas muito boas. Quando tio Bernardo foi visitar a família, meu avô notou algo estranho no jeito dele. E então avisou a todos: “Foi a última vez que o vimos”. Quando a vó Rosa foi tomar chimarrão na casa da vó Chica, elas que não se davam muito bem, meu avô logo constatou: “Ela não vai muito longe”. E, de fato, nunca mais vimos tio Bernardo, e a vó Rosa também não foi muito longe. Certamente há outras histórias, menos trágicas, mas também espantosas. Tia Nina, que sabia da fama de meu avô, tratou logo de exorcizar:

- Deus me livre e guarde dele falar alguma coisa sobre mim!

 

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Fernando Sabino – aquele que nasceu homem e morreu menino – dizia que a morte é ruim, mas nos livra de coisas como ir ao dentista, declarar o Imposto de Renda e cortar a unha do pé.

 

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Os padres de antigamente não tinham papas na língua. Com frequência escreviam registros de óbito dizendo que a pessoa “não fez testamento, e nem tinha do que fazer”.

 

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Por falar nisso, pouca gente sabe, mas um papa de Roma faleceu em Campo Alegre. Silvestre Papa de Roma, morto em Avenquinha no ano de 1890.

 

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Comunicamos com pesar o falecimento de uma menina de 14 anos, vítima de um tiro na cabeça, e que estava grávida de uma menina de seis meses. Uns falam em tiro acidental, e outros que foi um rapaz que não aceitava o fim do namoro. A polícia não descartou o envolvimento com o tráfico de drogas. A filha nasceu às pressas. Nasceu para um mundo sem mãe. Nasceu e ficou no hospital, que é o melhor que pode fazer por enquanto. Não está tão segura quando no útero materno, mas ainda está mais segura do que aqui fora.

 

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Possível manchete: “Niemeyer sai do hospital e diz que agora quer aproveitar a vida”.



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