Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Otto vai à festa
Chegou setembro, e com ele um e-mail inesperado do Otto, o mais alemão dos são-bentenses. Eu não falava com ele desde o começo do ano, quando estive na sua casa em São Bento. Na ocasião ele me apresentou o seu filho Otto, que tem nome igual ao do pai, mas escrito de trás pra frente. O filho do Otto é o homem sem história. Todo manhã ele arranca da agenda a página do dia anterior. Para ele, sou tão interessante quanto um calendário do ano passado. Bem ao contrário de seu pai, que me considera tão alemão quanto Bismarck. Se pudesse, Otto me contrataria como seu historiador particular, apenas para falar alguma coisa bonita sobre o passado da sua Alemanha, logo de manhã durante o café.
Mas eu dizia que ele me mandou um e-mail. Perguntava se eu não viria para São Bento aproveitar a Schlachtfest deste ano. Respondi que não poderia e Otto quis saber por que causa, motivo, razão ou circunstância. Fui sincero como um raio-x: eu não tinha dinheiro para viajar. Otto fez então a pergunta que cai bem a todos os homens bem-sucedidos: “Mas você não tem um emprego fixo? Não recebe um salário? De vez em quando deve sobrar algum pra você viajar”. Disso se percebe que Otto se tornou tão alemão que sequer compreende a realidade brasileira.
E como ele insistisse, fui obrigado a dizer que não gostava dessas festas. Esse foi o meu mal. Por “essas festas”, Otto entendeu “as festas alemãs em geral”, achando que eu deveria preferir algum outro tipo de festa. Eis a verdade: não prefiro festa alguma, alemã, libanesa ou bielorrussa. Sou um homem sem festas. Mas vá explicar isso ao Otto. Espantado com a minha recusa, começou um discurso em defesa da festa “trazida pelos imigrantes quando vieram ao Brasil fugindo da guerra”.
Suspirei. Otto me acusava de ter passado para o lado seu filho, o homem sem passado, e para quem as festas só deveriam acontecer depois que o último buraco da última rua da cidade fosse fechado. Esperei ele se acalmar e no dia seguinte mandei algumas informações, apenas a título de curiosidade. A primeira é justamente que os imigrantes não vieram fugindo de nenhuma guerra. Imigraram pelo mesmo motivo que os nordestinos migram para São Paulo ou que eu migrei pra Brasília: desejo de novas oportunidades na vida.
Outras Schlachtfest
A segunda é que, naturalmente, a Schlachtfest não foi trazida pelos imigrantes. No máximo, o espírito da festa. Em São Bento, ela teve início apenas em 1966. Teve outras edições em 1967 e 1968, e depois apenas em 1985. Desde 1963, a Sociedade Duque de Caxias, de Curitiba, também realiza uma festa chamada Schlachtfest, e que inclusive já foi animada por bandas de São Bento. Uma outra com o mesmo nome também é realizada no Clube Concórdia, da mesma cidade. Em Teotônia, no Rio Grande do Sul, há ainda uma outra Schlachtfest. Talvez haja outras.
Em todas elas a iniciativa pela preservação de manifestações culturais é algo louvável, digna de nota mesmo. É verdade que nem sempre há uma vinculação direta com a história da cidade – coisa que a Böhmenfest talvez consiga melhor. Insisto que devemos ser mais boêmios (da Boêmia, não da boemia) do que alemães.
Mas essa parte eu achei melhor não comentar com o Otto.