Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Em Brasília, o feriado de 21 de abril não é de Tiradentes: é, na verdade, o aniversário da cidade. E nesse dia estratégico aconteceu por aqui outra Marcha Contra a Corrupção. Há marchas para todos os gostos na capital do país, e não tarda o dia em que farão parte do roteiro turístico oficial. Ano passado houve a Marcha das Vadias, cuja ironia do nome passou despercebida inclusive para os seus entusiastas. E também a Marcha da Liberdade, que aceitava qualquer um que tivesse algo a reclamar – e foi justamente por querer gente demais que quase não veio ninguém.
Mas eu dizia que houve a Marcha Contra a Corrupção. Ela aconteceu na Esplanada dos Ministérios e reuniu duas mil pessoas. Eu estava na Esplanada nesse mesmo horário, mas não estive com essa gente. Antes que me acusem de alienação, tenho a dizer o seguinte em meu favor: estava na Bienal do Livro ouvindo o Carlos Heitor Cony falar sobre literatura no tempo da ditadura. Cony escreveu contra o golpe de 1964 um dia após ele acontecer. Sua luta era escrever: não teria condições físicas nem psicológicas para uma luta armada. Eis aí uma boa desculpa para mim também.
E foi até bom que o Cony não cruzasse com o pessoal da Marcha Contra a Corrupção. Eles certamente não veriam com bons olhos o seu ceticismo diante do problema. Para ele, a corrupção é algo da condição humana, é o preço que se paga por ter uma sociedade com liberdade e livre arbítrio. A coisa é tão antiga que ainda no Antigo Testamento temos um caso escabroso de corrupção: Esaú vendeu a sua primogenitura ao irmão Jacó por um simples prato de lentilhas. Mas Cony reconhece: hoje, seria preciso um pouco mais do que isso para corromper nossos nobres deputados.
Enquanto Cony falava, do lado de fora da Bienal uma multidão de professores protestava indignada contra tudo aquilo que os professores protestam desde sempre. Junto com o Cony também estava o poeta Thiago de Mello, outra instituição nacional, e que adorou ser atrapalhado no momento de falar – a causa era justa, disse. Tudo isso me fez lembrar outra palestra, feita pelo Zuenir Ventura alguns dias antes.
Fé cega e pé atrás
Zuenir Ventura é o cara que prolonga 1968 pelo resto da sua vida. O mérito das suas palestras está justamente em comparar a juventude daquela época e a atual. Ao apontar algumas diferenças, ele citou que de lá para cá acabaram as certezas – naquele tempo, todos tinham certeza do que era bom ou ruim. E como ele desse a entender que falta engajamento hoje em dia, fui obrigado a perguntar: se não há mais certezas, como escolher uma causa para se engajar?
Ele então admitiu: eis a grande questão a ser respondida. Por fim, sugeriu como causas o movimento ecológico e social. Tenho para mim que a melhor resposta envolveria a fé da pessoa. Num mundo que se diz sem certezas, apenas a fé justifica um engajamento político. E não é outra coisa, afinal, o que move nossas paixões partidárias, bastante afloradas em tempos eleitorais como esses que vivemos. Não havendo mais ideologias definidas, cada um busca para si a melhor forma de convencer o eleitor que a sua fé é a que tem razão.
Um gaúcho branquelo já cantava há algum tempo: é preciso fé cega... e pé atrás.