Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Existe um personagem de Monteiro Lobato chamado Mr. Slang. É um inglês que veio dar as caras por aqui e resolveu ficar por achar o brasileiro uma figura curiosa. Certa vez, Mr. Slang falou que já não tinha mais o hábito de ler: preferia pensar. Para ele, um dos problemas do brasileiro estava justamente em ler mais do que pensar.
É um argumento interessante e que nos fere brutalmente. Ninguém hoje é capaz de dizer que ler faz mal. Mas alguém que quisesse defender o Brasil diante da queda do número de leitores poderia alegar justamente isso: “Não estamos lendo porque estamos pensando”. Seria um cínico, mas apenas mais um.
Segundo dados da Fundação Pró-Livro, aproximadamente 50% dos brasileiros são leitores. Essas pessoas leram ao menos um livro nos últimos três meses. Não importa qual. Aparecem bem na fita porque leram. Existe hoje quase um consenso de que é preciso desligar a televisão e ler um livro. Não concordo: depende do que você for ler e depende do que você for assistir.
E vejam vocês: a região com menor média de leitura é o Sul. Tem muita gente achando que tradição é tudo e que por isso não precisa ler mais nada – e, ao contrário do Mr. Slang, não estão necessariamente interessados em pensar.
Mais um dado: 75% dos brasileiros não pisaram numa biblioteca em 2011. E o mais legal: 71% sabem direitinho onde tem uma. Imagino que boa parte de quem vai tem um objetivo específico. Uma universidade ou um concurso por trás. E mesmo eu, que vou apenas por gostar de ler, também tenho lido menos depois que inventaram essa tal de internet.
Leituras antigas
Antigamente era mais fácil. Jorge Zipperer era um rapazote de 17 anos e só tinha que dividir a leitura com o bilhar e as cartas. Não havia ainda Facebook. Os tempos eram mais rudes. Trabalhava-se na roça. Vivia-se cercado de mato. Resolvia-se no braço a maior parte dos problemas domésticos. Todos tinham mais o que fazer de dia. À noite, estavam cansados. Ainda assim, havia quem lesse.
Em 1881, no Km. 80 da Estrada Dona Francisca, foi fundado um clube para leitura. Mas não apenas para isso: também para agricultura e pecuária. Foi a Sociedade Cultural Boa Fortuna. Nas reuniões, jornais eram lidos e comentados. No mesmo ano, foi fundada a Sociedade Literária. Seu objetivo era distrair e educar os poucos habitantes de São Bento. Vejam que isso foi no tempo em que as pessoas ainda tinham que procurar algo pra se distrair. Podiam ir dormir, mas liam. Não todos, naturalmente. Boa parte dos imigrantes mal sabia ler. Os que gostavam de ler se esforçavam para continuar lendo no meio de um ambiente em que faltava quase tudo.
E pessoas continuaram lendo naqueles anos, até que em 1892 foi criada a “Lese und Unterstuetzungs-Verein”. Apesar do nome, era uma coisa boa. Uma sociedade que tinha como principal objetivo ler bons livros e discutir literatura. Em 1898, a Sociedade de Cantores também já havia arrumado uma biblioteca para si.
Pessoas liam quando havia motivos para não ler nada. Hoje, quando nadamos em comodidade, lemos pouco ou lemos mal – tão passivos como se estivéssemos lendo Big Brothers de papel. Lemos apenas o que agrada nossas opiniões – e, naturalmente, deixamos de pensar.