Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Sou um sobrevivente da Gripe Suína de 2009. Na época, eu morava em Curitiba e bastou ser confirmada a primeira morte na cidade para que o pânico se instalasse. Que fazer? Como não ser contaminado? De repente, alguém se lembrou do álcool em gel. Devíamos lavar a mão com álcool em gel. Muito bem. Só que isso não se acha em qualquer mercadinho não – lá onde eu morava, pelo menos, não se achava. Enquanto isso, o número de mortes aumentava.
Resolvi ir aos hipermercados. O problema foi que todo mundo teve essa idéia e logo não havia mais álcool em gel na região. Nas redes sociais, eu recebia informações privilegiadas: “Escuta. Eu sei onde você pode encontrar. Passei lá hoje cedo e ainda tinha”. As mesmas redes sociais aumentavam o terror, pois alimentavam as histórias de que o governo estava enganando a população, e que na verdade o número de mortes era muito maior do que o divulgado.
O melhor era não sair de casa. E para andar de ônibus? Como encostar nos ferros que podiam ter sido tocados por pessoas contaminadas? Era um risco de vida. Alguns usavam lenços e luvas, não encostavam em nada com a mão limpa. Outros usavam máscaras cirúrgicas. Ai de quem espirrasse! Seria linchado ali mesmo. Curitiba estava com medo da gripe.
A gripe de 1918
Foi inevitável que surgissem comparações com a Gripe Espanhola de 1918, que infectou meio mundo, e matou 4% da população mundial. Por essa época, tive curiosidade de saber qual havia sido o estrago causado pela espanhola em São Bento, um tema que ainda não havia despertado a atenção dos historiadores. Para isso, eu precisava ir até o cartório consultar os registros de óbito. Hoje em dia, tudo está disponível na internet, de modo que qualquer um, com um pouco de esforço, vira um pesquisador. Pois bem.
Eis o que descobri: entre novembro de 1918 e janeiro de 1919 morreram 22 pessoas em São Bento vítimas da Gripe Espanhola. O primeiro, em 30 de novembro, foi o industrial Gustavo Keil, de 39 anos. Sua pele deve ter ficado meio castanha, meio roxa. Os pés deviam estar pretos. Nem parecia mais um homem branco. Tossia sangue e era sufocado por uma violenta falta de ar. Em poucas horas, estava morto. Outra célebre vítima da espanhola em São Bento foi Willy Jung, parceiro de Jorge Zipperer em empreendimentos que impulsionaram a economia da região. Também ele sentia-se como um afogado, e morreu também aos 39 anos.
Outro que morreu foi o imigrante Karl Kwitschal, já com 66 anos. Frederica Goll morreu da mesma coisa aos 73. Na época, Rio Negrinho fazia parte de São Bento, e lá a família de Maria Luiza dos Santos, 40 anos, teve um péssimo Natal depois da espanhola a matar em 21 de dezembro. Nos dias 14 e 15 de janeiro de 1919, Pedro Argemiro de Castilho, morador em Rio Preto, veio ao cartório de São Bento fazer um verdadeiro inventário da epidemia. Declarou o óbito de seis pessoas vítimas da doença, todos seus vizinhos ou parentes.
E assim tantos casos naqueles meses de pânico. Morreram várias crianças também, e algumas pessoas na casa dos 20 anos. Todos estavam sujeitos a epidemia. Foi isso, inclusive, que me levou a uma triste indagação no tempo da Gripe Suína: será que só a pandemia nos une?