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Henrique Fendrich

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Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)

Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF


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O anti-Otto

Quinta, 23 de fevereiro de 2012

Quando estive em São Bento no final do ano, me encontrei com Otto, o Bismarck das Araucárias. Tive receio de ser mal recebido. Ano passado eu havia destruído o sonho dele de conseguir dupla cidadania. E mais: mostrei a ele que a sua família não poderia ter tido um brasão. Mas Otto, o alemão de quatro costados, me recebeu de maneira efusiva, e foi logo me oferecendo uma cerveja - que recusei. Fui sincero como um teste de DNA: eu não bebia. Mal terminei de falar isso e vi que o Otto estava paralisado. Sentia falta de ar, palpitações, e suava muito. Tudo que conseguiu dizer foi: “Mas um alemão! Tu, um alemão... não bebe!”. Tratei de acalmá-lo, e citei alguns problemas gástricos entre os motivos da minha abstinência.

Mas eis que, no meio dessa crise, aparece o filho do Otto. Não sei se já falei nele. É um rapaz das artes. Escreve poemas e faz teatro. Pois bem. E esse filho do Otto também se chama Otto. É uma tradição na família há cinco gerações. Todos os filhos se chamam Otto. E às vezes até as filhas. Só que esse filho do Otto não é um novo Otto: ele é, na verdade, um anti-Otto. É o próprio conflito de gerações. O seu filho é tão anti-Otto que até o seu nome é escrito de trás pra frente: Otto. Em suma: o filho do Otto renega toda a história familiar. Como um Galileu diante da Inquisição.

 

Passado? Bah!

Diz ele que não há nada mais ultrapassado do que o passado. O filho do Otto detesta tanto o passado que todo dia arranca da agenda a página do dia anterior. Bem ao contrário do seu pai, que, em pleno século XXI, continua vivendo sob o domínio da Prússia. Pode-se imaginar a quantidade de conflitos nessa casa. E eu fiz parte de mais um deles quando o Otto pai me apresentou ao Otto filho. Disse ele que eu era um “historiador da imigração alemã”. Ao ouvir isso, Otto primeiro teve uma violenta crise de tosse, e em seguida deu uma catarrada no chão. Virou-se então para mim e, cheio de desprezo, afirmou: “Mais um que vive no passado. Era só o que me faltava”.

Indignado, Otto pai tentou me defender – e, no fundo, estava defendendo a si mesmo. Mas Otto filho iniciou então um comovente discurso, revolucionário como a Holanda de 74: “Enquanto vocês pensam em coisas que já passaram, crianças morrem de fome. A África sobre epidemias. Vão olhar os buracos na rua! O problema da saúde, o preço do transporte coletivo! O caos no trânsito”. E por aí foi arrolando uma série de tragédias que estavam acontecendo no mundo, e que nem eu nem seu pai percebíamos, tão concentrados estávamos em falar sobre o passado.

O discurso lembrou-me uma página de Os Maias. Imaginem que existe um livro chamado Os Maias - e que eu não li. Mas aconteceu nele o seguinte: um rapaz estava em uma festa, sozinho, olhando pela janela. Uma dama veio até ele e perguntou se não gostaria de dançar. E ele respondeu: “Como posso dançar, se a Polônia sofre?”. Aí está o filho do Otto falando mais ou menos a mesma coisa.

A discussão familiar continuou, e então achei melhor ir embora. No outro dia, mais calmo, o filho do Otto me mostrou as suas poesias – Otto guarda todas, incluindo algumas feitas na infância. E então pude concluir: o único passado que interessa é o que se tem como nosso.



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