Nenhuma cena poderia ter um impacto tão prejudicial no país que tem as maiores taxas de cesárea do mundo
Mariana Della Barba
É claro que é uma novela. É claro que seus autores podem abusar loucamente da licença poética. É claro que tudo não passa de ficção.
Mas no Brasil, novelas são muito mais do que mero entretenimento para antes ou depois do jantar. Elas influenciam a população de uma maneira louca, para o bem ou para o mal.
Lembro de uma pesquisa que mostrou que, há algumas décadas, à medida que a televisão chegava nas regiões mais remotas do país, os índices de divórcio cresciam. Por meio da novela, muitas mulheres perceberam que podiam, sim, se libertar de um casamento infeliz e/ou de um péssimo marido. Incrível.
E todo mundo sabe como as roupas, esmaltes, acessórios e cortes de cabelos que aparecem nas novelas têm potencial para virar moda quase instantaneamente fora da telinha.
Mas e quando, em nome da audiência, os autores erram a mão e criam cena que podem ter um impacto pra lá de negativo na sociedade?
Bem, foi exatamente isso que acho que aconteceu no primeiro capítulo de "Amor à Vida", em que Luana (interpretada por Gabriela Duarte, foto abaixo) e seu bebê morrem durante o parto normal. Ela morreu em decorrência de uma doença ligada ao aumento da pressão arterial, conhecida como pré-eclâmpsia.
Na novela, a atriz aparece fazendo muita força para o bebê nascer e, após complicações, acaba morrendo. Certeza que a cena, chocante, deve ter batido picos de audiência. Mas o que ela gerou fora da tela?
Bem, na vida real, médicos entrevistados por diversos veículos disseram que, no dia seguinte à exibição do capítulo, pacientes já entraram no consultório ou no hospital influenciados pela ideia - errada - transmitida na novela. Olha que perigo!
A impressão em quem assistiu foi a de que a personagem morreu porque tinha pré-eclâmpsia e fez um parto normal. Isso não é verdade. Grávidas com essa condição podem, sim, ter partos normais. Um pré-natal bem feito é o mais importante.
Mas uma atriz literalmente morrendo de tanto fazer força alimenta ainda mais a ideia de que partos normais são o fim do mundo. E isso é especialmente perigoso num país como o Brasil, que tem as maiores taxas de cesáreas do planeta.
Há inúmeras razões para as cesáreas no Brasil serem mais de 50% do total de partos (ou mais de 70% se contarmos apenas a rede particular), quando um número considerado razoável pela Organização Mundial da Saúde é de 15%. Todos esses motivos rendem um outro post, assim com os pontos negativos das chamadas cesáreas marcadas ou eletivas.
Mas um dos motivos é o fato de as brasileiras terem muito medo das dores do parto normal. E uma atriz tão famosa quando a Gabriela Duarte gritando e sofrendo até morrer não ajuda em nada. Muito pelo contrário - só fomenta uma ideia que pode prejudicar muitas mães e bebês da vida real.