Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Um dia desses atrás, numa dessas arrumações em casa, minha namorada estava me passando algumas coisas para que organizássemos em pastas ou colocássemos dentro de um caixote, miudezas tais como cadernos antigos, revistas velhas, álbuns de fotos e negativos ainda por serem revelados, quinquilharias que ainda não tinham sido jogadas fora por uma questão sentimental.
Foi quando recebi em minhas mãos algo que me despertou a atenção.
Perguntei o que era aquilo? Recebi de resposta: é um diário!
O diário era daqueles com a capa dura aveludada e com um cadeado lacrando seu manuseio. Fazia tempos que não via um desses diários com cadeados.
― Por que o cadeado?
Minha namorada com um tom de ironia disse que lá estavam escritos coisas íntimas. Pelo teor da resposta entendi o que ela queria dizer: é particular, então não mexa!
O cadeado tinha seu propósito. Diferente dos diários atuais que já não são mais secretos, os de hoje em dia são exatamente o inverso. Aquilo que era privado se tornou público.
Fala-se de mil assuntos pelo twitter a milhares de pessoas, aos ‘amigos’ do Orkut e a outros tantos mais do Facebook mostra-se fotos, depoimentos, adicionam-se amigos dos amigos, encontros e desencontros, enfim, quanto mais visibilidade e notoriedade melhor. É preciso aparecer para o outro, seja como for, ou se é apenas mais um estranho, uma espécie de um estranho diário intimamente lacrado.
Observo com cuidado mais uma vez o diário antes de colocá-lo em uma caixa, vejo a importância de seu cadeado, velando por aquilo que seria de outra pessoa somente. Guardo-o.
Enquanto vou encaixotando os demais apetrechos, penso que essa falta de transparência, essa questão de mostrar tudo a todos sirva para disfarçar aquilo que realmente não pode ser visto, nem mostrado, muito menos sentido... Daquilo que talvez sejamos: um diário de páginas em branco.