Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Depois da curva do cinquenta anos o que realmente sobra é muita curva. Umas mais acentuadas... Outras curvas menores.
– Mais sobra do que curva – diz uma das amigas.
E as demais concordaram.
– A realidade cristalina como imperativo depende da quantidade de chope que se consome! – falou Vera Lúcia, a mais intelectualizada do grupo.
Se bem que Verinha, como era carinhosamente chamada, não se importava em pescar os ovos de codorna naquela água turva banhada em vinagre e sal.
– Olha o colesterol! – avisava Léla.
E toda uma discussão de que os ovos de codorna e, frisavam bem o “de codornas” jamais havia sido estudado afinco, sendo assim, o “de codornas” ainda não entrava na categoria dos impedimentos.
– Tudo é uma questão de equilíbrio.
– Como assim Margo? – perguntou Rutinéia.
– O riso, por exemplo!
– O que tem ele?
– Os especialistas não dizem que rir faz bem?
– E...
– Rir sentado junto de vocês nessa mesa de boteco, comendo ovos de codorna de boteco – frisou novamente o “de codornas” – jogando conversa fora de boteco, bebendo chope gelado de boteco, o que isso pode dar?
– Uma nova versão de o Bêbado e a equilibrista?
– Não pessoal... Pensem comigo... E completem a frase: “onde há fumaça há...
Rapidamente as amiga responderam: Fogo!
– Não, não. Isso é convenção social. Amplifiquem suas mentes – disse isso após mais um caneco de chope – “Onde há fumaça... Há muito riso”.
– Depende do que você está fumando Margo. – arrematou Verinha.
Mais uns goles do chope gelado...
– Shirley seria meu nome se eu fosse um travesti.
Os olhares se voltaram para Léla. Um ajeitar-se incômodo nas cadeiras e na mesa de ferro quase fez rolar os ovos de codorna para fora da vasilha salobra. Como assim Shirley? Justo a Léla, a mais feminina das amigas, a mais recatada e conservadora, de repente se fosse um travesti se chamaria Shirley? Até as coisas mais estranhas acontecidas no carnaval não chegavam a esse ponto. Que tipo de desejo era aquele que depois de tantos anos reunidas em botecos jamais eclodiu nessa catarse.
Léla se levantou e foi ao banheiro.
– Vejam vocês... Léla, ou melhor, Shirley. Um homem-feminino. – falou Margo.
– Nada disso! – interrompeu Vera Lúcia, a Verinha. – É uma mulher com apêndice, um “quê” a mais, uma mulher viril.
– Xi-rra.
– O que disse Ruti?
– Xi-rra. Se fosse um travesti esse seria meu nome.
– Melaine – falou Margo.
– Vera-Primavera – disse a Verinha.
As amigas pediram mais uma rodada de chope, pois, a realidade cristalina é como conjecturar sobre os malefícios dos ovos de codorna, uma mera suposição.