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"Sou outra pessoa depois da doença"

Sexta, 07 de outubro de 2011

Médica que virou paciente, Adriana Lisboa fala, nesta entrevista, sobre o câncer, doença cujo mês de combate será lembrado agora em outubro. Ela conta detalhes sobre a descoberta, o tratamento e a cura da enfermidade

 

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"O câncer é uma doença que se aproveita do medo. Ela cresce justamente quando você tem medo" (Fotos Divulgação e Elvis Lozeiko/Evolução)
 

EVOLUÇÃO - Conversamos, mais uma vez, com a diretora técnica do Hospital e Maternidade Sagrada Família, Adriana Lisboa. Outubro é o mês de combate ao câncer. O que esta palavra - câncer - representa para você, para o bem ou para o mal?

ADRIANA LISBOA - O câncer é quase como aquele namorado inconveniente - você quer se livrar dele de qualquer maneira. Encaro o câncer na minha vida mais ou menos assim. Quando eu tinha três anos de idade, eu tinha uma amiguinha da mesma idade. Essa menina teve leucemia, ficou doente. Minha mãe me levava para visitar essa menina lá no Instituto Nacional do Câncer, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Então, fui muitas e muitas vezes ver essa minha amiguinha. Lembro dela careca, inclusive. Ela acabou falecendo. Essa menina - agora eu penso - talvez tenha sido uma coisa decisiva na minha vida. Por causa dela, talvez, eu tenha me formada médica. Anos mais tarde, quando acabei a faculdade e, fui fazer residência no próprio Inca. O que aconteceu? Enquanto eu estava lá dentro, uma professora do primário teve leucemia e morreu também. Interessante que ela chegou a me reconhecer imediatamente. "Adriana?", ela disse. Eu comentei: "Sim, sou eu". "Você não se lembra de mim?", ela perguntou. Depois, quando eu já estava aqui em São Bento, minha mãe também teve leucemia - e morreu. Agora foi comigo. Eu convivi bastante com isso.

 

EVOLUÇÃO - Como foi seu caso, especificamente?

ADRIANA LISBOA - Era uma segunda-feira de manhã. Passei perto de uma porta de vidro, lá no hospital. Quando olhei, vi um caroço no pescoço. Eu falei: "Ué? Ontem, quando tomei banho, não vi esse caroço. Esse caroço não estava aqui". Olhei de novo e então perguntei a uma menina que trabalhava na sala de raio-x comigo: "Você está vendo esse caroço?". Então fiquei encucada e fui olhar no ultrassom. Quando olhei, eu disse: "Morri!". Como médica, eu podia aliviar a notícia para todo mundo, mas eu não podia aliviar a notícia para mim mesma.

 

EVOLUÇÃO - Isso é uma ironia...

ADRIANA LISBOA - É uma crueldade. Pensei: "Meu Deus, eu vou morrer!". Só de olhar, eu já sabia que era um tumor - e tinha certeza que era maligno. Aí falei: "Espera aí! Vamos parar para pensar". Fiquei uma semana quieta, sem contar para ninguém, sabendo que estava doente. Fiquei absolutamente quieta! Aí fui ver uma série de papeladas. O doente, principalmente a mulher, tem essa coisa, essa preocupação com a família, com a questão prática. Fui ver os seguros que eu tinha, as coisas que estavam no meu nome, etc. Porque, se eu morresse, o Antônio (Sammartino, marido) e as meninas (filhas) não teriam todo esse trabalho. Depois dessa uma semana, não sei por que, começamos a discutir em casa. Então eu falei: "Não tem problema. Quando isso acontecer, eu não estarei mais aqui mesmo". Ele (Antônio) viu que eu estava falando sério e perguntou: "O que aconteceu?". Então respondi: "Estou doente e é uma doença séria. Estou com câncer". Ele ficou desesperado, claro! A gente, como doente, tira força não sei de onde, mas a família fica desesperada. Parece um terremoto que sacode a família inteira. O Antônio falou para todos os meus colegas médicos. No dia seguinte, quando fui trabalhar, estavam todos eles me esperando. Uma cirurgiã disse assim: "Você vai ser operada hoje, vamos fazer biópsia - e se você não aparecer no centro cirúrgico às seis da tarde, eu venho aqui e vou lhe quebrar de pancada" (risos). Fiquei com mais medo dela do que da doença. No dia seguinte, veio a resposta do laboratório, afirmando que era um linfoma, um tumor maligno.

EVOLUÇÃO - Um linfoma?

ADRIANA LISBOA - Quando soube que era um linfoma, eu fiquei mais tranquila. Se for pego já no começo, você consegue lidar muito bem com ele. O linfoma é um tipo de tumor. A única desvantagem dele - por ser um tumor de linhagem sanguínea - é que ele pode se espalhar muito rapidamente.

 

EVOLUÇÃO - Você passou por todo aquele processo de quimioterapia?

ADRIANA LISBOA - Fiz quatro sessões de quimioterapia, uma a cada vinte e um dias. Não é bom, mas também não é tão ruim fazer a quimioterapia. Também fiz radioterapia, que foi a parte mais chata, que incomodou mais. Eu tinha que fazer radioterapia todos os dias, então tinha que descer até Jaraguá do Sul. Eu, claro, chegava lá já meio cansada, mas via pessoas que estavam em situações bem piores do que a minha. Então dizia: "Não vou nem reclamar, porque minha situação poderia ser pior".

 

EVOLUÇÃO - Quanto tempo de tratamento?

ADRIANA LISBOA - Comecei o tratamento em janeiro e terminei em agosto. Mas eu ia no conforto do meu carro. Quanta gente tem que esperar, pegar carro da prefeitura, sair daqui de manhã e passar o dia todo lá, numa situação debilitada.

 

EVOLUÇÃO - E a queda dos cabelos, lhe incomodou? Dizem que isso baixa bastante a autoestima.

ADRIANA LISBOA - Não me incomodou, não, até porque andava por aí sem peruca, sem lenço, sem nada. O que me incomodou foi o cansaço físico, as dores musculares e a sensação de vida roubada. Quando você chega ao final do tratamento, você diz: "Eu quero minha vida de volta". Eu tinha uma vida normal, porém. Eu saía, passeava, trabalhava, tinha disposição. De qualquer forma, eu queria de volta a minha vida - que a doença roubou. Sou uma mulher que, às vezes, às quatro horas da manhã já está de pé. Às cinco da manhã, às vezes, já estou no hospital trabalhando. No tratamento, eu tinha que ter cuidado com o que comia, com os lugares onde eu ia, o que fazia e não fazia, porque minha imunidade ficou muito ruim.

 

EVOLUÇÃO - Você falou que tirou uma força que não sabia de onde vinha, mas sempre existe aquele pensamento: "Estou doente, eu tenho um câncer". Isso lhe preocupava, certo?

ADRIANA LISBOA - Sabe de uma coisa? Durante o período em que fiquei doente, eu não ficava pensando nisso. Eu pensava assim: "Tudo bem, é uma fase, vai passar". Eu não ficava focada na doença, não. Todos os pacientes que já tiveram câncer formam uma espécie de rede de solidariedade silenciosa. Nas minhas andanças por aí - careca -, muitas pessoas vinham para mim e diziam: "Olha, eu também já tive essa doença - e estou bem. Isso que está acontecendo é terrível, mas é uma fase que vai passar". Hoje em dia me vejo fazendo a mesma coisa, falando aos pacientes: "Olha aqui, eu já tive isso e estou aqui". Aí alguém diz: "Mas o seu cabelo está tão lindo, doutora!". E eu respondo: "É megahair, para tudo tem uma solução". No período em que fiquei doente, muita gente foi extremamente solidária comigo. Outra coisa! Tem uma característica minha que é assim: “Tem um limão? Então vamos uma limonada, ou melhor, vamos fazer uma caipirinha!” Mas vamos para o lado positivo dessa história toda: você aprende a ser mais gente, você nunca esteve no lado do paciente, e sim do lado médico. 

 

EVOLUÇÃO - Agregou profissionalmente!

ADRIANA LISBOA - Claro que agrega. Sou outra pessoa depois da doença. Outra!!!

 

EVOLUÇÃO - Você teve que esperar até o fim do tratamento para saber que estava curada?

ADRIANA LISBOA - Pela evolução da doença, sabíamos que ela estava respondendo muito bem. Entretanto, vou ter que esperar dez anos para ser realmente considerada curada. Tem todo esse tempo, mas eu me considero curada. A minha vida é normal. Algumas coisas mudaram na minha vida. Antes eu pensava assim: "Eu não vou pular de paraquedas porque é perigoso". Agora eu faço tudo! É assim: a gente não morre antes da hora e não morre depois da hora. Claro: eu gosto de viver. Quero viver ainda muito tempo.

 

EVOLUÇÃO - Como profissional e como ex-paciente, o que você diria principalmente às mulheres que não se cuidam? Ouvimos da presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, Paula Liebl, que já houve o caso de uma mulher com mais de 70 anos que nunca havia feito um exame preventivo - e justamente por não ter descoberto a doença precocemente acabou morrendo.

ADRIANA LISBOA - Você só morre com câncer de colo de útero e câncer de mama se for muito... idiota! Não tem outra palavra. É idiota! Há todos os exames disponíveis, há todos os profissionais. Por isso devem ser feitos os preventivos. O que acontece é que muitas vezes as pessoas fogem da possibilidade de saber que têm a doença. Eu também já passei por isso. Por mais racionais que sejamos, na verdade somos completamente irracionais na hora da doença. Eu tive as mesmas reações de qualquer paciente. Primeiro, a fuga: "Ah, eu não tenho nada, por que fazer o exame?". Depois, a revolta: "Por que comigo?". Por fim, veio a aceitação. Muita gente foge, com medo de saber. Isso é um erro!!! Se a pessoa tem a doença, ela tem que saber, tem que correr atrás.

 

EVOLUÇÃO - As mulheres que não fazem os preventivos até parecem os homens que são mais teimosos, mais resistentes com essa questão da saúde.

ADRIANA LISBOA - O medo nos torna absolutamente irracionais. O câncer é uma doença que se aproveita do medo. Ela cresce justamente quando você tem medo.

 

EVOLUÇÃO - Na hora de contar à família, claro, foi uma situação de desespero. E depois, ao contar que você estava curada?

ADRIANA LISBOA - Quando vimos que não havia mais nada, o Antônio chorou de alegria. Eu gritei um monte, dentro da clínica! O Antônio primeiro não acreditou. Tive que ir lá dentro, chamar o médico que fez meu exame. Ele disse: "A Adriana não tem mais nada". As minhas meninas foram um capítulo à parte. Contei para a Laís e contei para a Giulia. A Giulia olhou e disse: "Está bem". A Laís falou: "Mãe, você vai morrer?".  Eu disse: "Um dia eu vou morrer, mas não vai ser da doença". Ela perguntou, ainda: "É verdade que você vai ficar careca, vai ter que ser internada?". Conforme fui levando minha vida mais próxima do normal, elas foram se tranquilizando. O Antônio é meio mãe, deu bastante apoio a elas.

 

EVOLUÇÃO - Muito bem, doutora. Mais alguma coisa que você gostaria de registrar?

ADRIANA LISBOA - Eu gostaria de deixar uma mensagem de gratidão, de carinho, a todas as pessoas que me ajudaram nesse período. Quero dizer que o câncer é uma doença muito democrática, que dá em velho e em novo, em rico e em pobre, em homem e mulher, em gente boa e em gente ruim. O que eu gostaria é que os governos realmente se preocupassem com isso. Já foi pior, mas tem muito para melhorar. Que os governos - estaduais, municipais, federal - se empenhem para que os pacientes tenham o mínimo de sofrimento possível, porque é difícil. Os governos deveriam ter mais consideração por isso.



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Adriana Lisboa


A todas as pessoas que manifestaram carinho e apreço por mim, agradeço de todo coração. A todos que oraram silenciosamente também. Agradeço ainda toda a generosidade e afeto que tenho recebido ao longo dos anos, da equipe do Evolução, dos colegas de trabalho, dos inúmeros amigos. Sinto-me profundamente comovida. Gostaria também de pedir força e solidariedade aos pequenos e humildes que passam por isso. Que todos, independente de condição social, possam ter tratamento digno na doença.

Responder      14/10/2011

EDUARDO SBRISSIA


Parabéns DRA ADRIANA pela Vitória e por levar mais esperança a todos que precisam !

Responder      13/10/2011

Elisa Mota


Parabéns, dra. Adriana, pela forma de encarar o problema! Parabéns também ao Sammartino e todos aqueles que foram solidários nesse momento. Muita saúde a todos!

Responder      11/10/2011

Pedro Skiba


Parabéns Elvis Lozeiko pela entrevista. Parabéns Adriana pelo exemplo de mulher guerreira, pela profissional e pela amizade que posso desfrutar. Você é uma vencedora em todos os sentidos. Continue servindo de exemplo. A tua luta é a luta de todos nós. Abraços

Responder      07/10/2011

Elvis Lozeiko


Muito bom tanto poder entrevistar a Dra. Adriana - uma pessoa incrível - quanto agora ler a entrevista. É para pensar e repensar muita coisa em nossas vidas.

Responder      07/10/2011

Grasiele Urbainski


Adimiro essa mulher, pela coragem e determinação... conheci ela e realmente sou sua fã....

Responder      07/10/2011

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