Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
– Marido... Precisamos conversar.
Ptolomeu olhava a esposa enquanto fatiava o rosbife. Algumas ervilhas escaparam pela tangente quando a carne deslizou do prato banhada no próprio sangue.
– O que é agora Maria?
Maria sentiu-se culpada pelas ervilhas rolantes.
– É o Luizinho! – falou Maria com a voz trêmula.
– O que é que tem nosso filho?
– Ele não quer mais ser médico.
A faca atravessou a carne e alcançou o prato que fez um ruído parecido com giz branco riscando o quadro-negro. Ptolomeu é do tempo em que as matérias em sala de aula eram passadas nessa lousa escura.
– Como assim Maria?
Essa notícia fez sumir o apetite de Ptolomeu.
– Não sei, ele acordou dizendo isso...
– Tudo bem o Luizinho ter abandonado a ideia de ingressar na carreira política, mas deixar de ser um médico de família aí já é demais. Onde o Luiz está?
– Estudando.
– O que ele está estudando?
– Ai Ptolomeu, acho que é o tal de Fred...
– O amigo do Barney?
– Não!
– O do filme de terror?
– Não, não!
Maria começava a fazer mímica.
– Ah já sei, o do Fluminense?
– Não Ptolomeu. É aquele do divã!
Ptolomeu entendeu quem era. Não apenas o apetite do pai foi tirado pela decisão do filho, como o sono também. Luiz simplesmente acordou como uma flor que desabrocha seu botão pela manhã para ter do sol a vitalidade para o seu dia. E naquele dia amanheceu vistosa.
Luiz entregou-se com perseverança aos estudos da mente humana. Pearls, Granzotto, Freud, Moreno, Bock, Müller. Luiz lia com afinco autores da psicologia. Em uma semana tinha escrito um artigo para enviar para a revista científica Psyco, intitulado: Processos de saúde e doença e estranhezas da psicologia.
Nada poderia dar mais desgosto a Ptolomeu do que um filho psicólogo. Mesmo quando Luizinho entregou o seu artigo publicado na Psyco com críticas de elogios ao jovem pensador.
Ptolomeu sempre imaginou chegar ao quarto do filho e quando a conversa ficasse séria fecharia a porta para dizer coisas belíssimas ao primogênito, do tipo: “Meu filho, vou dizer-te coisas não de pai para filho, mas, de amigo para amigo. Um diploma de médico poderá abrir portas para você que para muitos é intransponível. Será conhecido como “Doutor” e isso significa levantar-se da obscuridade da vida comum dos reles mortais. Ser médico é como ganhar na mega-sena , um fenômeno. Ser médico é fazer igual Jesus quando curou a cegueira e fez pessoas andarem novamente, sem contar nas multiplicações das notas de Reais que entrarão em sua carteira. Poderás atender pessoas a cada dez minutos no máximo e dizer sem se preocupar que é tudo virose, e tudo isso é suficiente para uma platéia afoita que só precisa ser ouvida de sua aflição. Quem sabe médico de posto de saúde pela manhã para não cansar muito e consultório particular a tarde, só para pegar mais leve? Meu filho, outras coisas, estudos, profissões são estudos e profissões inúteis, pense nisso meu querido filho, futuro médico Doutor.”
– Ptolomeu... Ptolomeu... Está tudo bem?
Ptolomeu estava semanas naquela inércia, divagando coisas sobre o futuro do Luizinho. Nem ervilhas Ptolomeu ingeria mais.
– Está tudo bem Maria. Estava pensando em nosso filho.
– Você precisa entender marido que não da para ficar assim, nessa... nessa... Como é mesmo o nome... Luizinho se estivesse aqui saberia dizer....
– Maria, deixe-me te perguntar. O Luiz está irredutível com a decisão da profissão?
A esposa apenas bateu com a cabeça em afirmativo.
– Não há nada que podemos fazer? Não há remédios para isso?
Maria afirmou. Não teria o que ser feito.
– Talvez uma última tentativa?
– E qual seria marido?
– Quem sabe levar o Luizinho a um psicólogo e sei lá, quem sabe, ele ajude-o a mudar de ideia?
Michell Foitte está de férias e retorna na segunda semana de Setembro.
Texto publicado no JE em Junho de 2014
* Dia 27 de Agosto é o dia do Psicólogo.