Dia de Pai

– Oi seu Leônidas, fiz essa especialmente para o senhor!

– Ah, ah... Muito obrigado... Adoro... O que é isso mesmo? Ah, sim... Pé de Moleque... Feito especialmente para mim.

Detesto pé de moleque. Antes mesmo de pronunciar a palavra “pé de moleque” meu corpo já havia detectado aquilo como um hospedeiro invasor, algo do tipo parasita alienígena. Meu organismo já estava preparando anticorpos para combater aquilo que ficaria alojado nas minhas entranhas. Quando percebi todo o suco gástrico já tinha subido para o esôfago para ser misturado com a saliva que corroeriam aquele doce.

Imaginei-me por alguns instantes como sendo o Rei Leônidas e General de Esparta, e Xerxes vindo me atacar com um amaldiçoado composto de amendoim torrado e rapadura. Provavelmente arrancaria a casca dessa planta, cortaria a sua cabeça e a crucificaria.

Enquanto meu devaneio passava, percebia-me como um boi ruminando sua refeição.

O que me levou aceitar o convite de ir passar o dia dos pais na casa de pessoas que eu nem gosto? - pensava. Especialmente quando se tem uma anfitriã que eu suspeitava se tinha ou não dentes, já que eu nunca a via sorrindo. Mas lá estava ela, toda faceira, falando a todos que pudessem ouvir dos ingredientes utilizados em seu maravilhoso pé de moleque: ½ kg de amendoim torrado e descascado, ½ Kg de açúcar, 1 lata de leite condensado, 3 colheres de margarina. Tudo uma delícia - meu cérebro e estomago ruminavam. Só faltou ela mencionar um saco de areia, um saco de cimento e cal e estava pronto o reboco.

Lá vinha ela sorrindo novamente. Sei lá, deve de ser a confraternização dos pais reunidos que levam as pessoas a sorrirem ou acharem graça quando um dos dentes se desprende da boca ao darem a mordida nesse aterrorizante doce petrificado.

- Mais um pé de moleque seu Leônidas?

Quase não consegui falar que sim por educação, pois, já não sentia mais as minhas mandíbulas de tanto que havia mastigado.

Entendo agora porque o marido dela era dentista. Logo que tivesse que sair daquela residência teria que agendar uma consulta para recolocação das obturações, próteses de molares, e reconstituição do maxilar.

Até que enfim começaram a cantar os parabéns aos pais que lá estavam. E logo em seguida os filhos começaram a entrega dos presentes.

Meus filhos sempre me perguntam: adivinha o que é papai? Todo o ano é sempre as mesmas coisas, mas estava receoso de que fosse uma caixa de paçoca ou de amendoim. Confesso, estava suando frio. Desembrulhar aquele pacote era como desarmar uma bomba e o conteúdo dos explosivos fossem pés de moleque homicidas.

Uffffa - expirei. Lenços e gravatas!

Nunca havia ficado tão contente com os mesmos presentes que havia ganhado em anos anteriores, apesar de que, com todo o tecido que já havia recebido dos lenços e gravatas de tamanhos e cores diferentes, poderia muito bem abrir uma confecção ou contribuir massivamente com a campanha do agasalho. Fazer doação de lenços para milhares de narizes solitários e com as gravatas cooperar com a prática de esporte como cabos de guerra ou slackline ou tirolesas.

De repente, de surpresa foi pego pela anfitriã com a seguinte proposta: – Oi seu Leônidas, que bom que o senhor veio à nossa residência, para cada convidado estou dando um pouco dos meus quitutes, pode levar!

Meus Deus... Para quem vou dar isso? – cogitava. Mineradoras... Empresas de asfalto... Blackblocs?

– Que maravilha – disse falsamente em agradecimento – de pés de moleque. Levarei sim. E se a senhora quiser me passar a receita, adoraria anotar?

Michell Foitte está de férias e retorna na segunda semana de Setembro.

Texto publicado no JE em Agosto de 2014.