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Michell Foitte

michell_foittehotmail.com

Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta

CRP 12/07911


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O que os olhos não veem...

Quinta, 25 de junho de 2015

 

Sentimental? Não. Nunca foi um sentimental. Tão pouco algum resquício de vaidade despontava naquele homem. O máximo de capricho que fizera foi um dia ter passado WD-40 no dedo indicador quando em uma pescaria o anzol ficou engatado na falange distal. Uma espirrada do produto e pronto, dedo em ação novamente.

Era divertido e alegre, embora a barba e o bigode comprido tapassem boa parte do seu lábio e dentes, o que impedia de ver se estava ou não sorrindo.

Com o passar do tempo Germano foi ficando distante, com gestos vagos.

Apenas o vento movia aquela barba. Às vezes um “oi”, que poderia tanto significar “Oi, como vocês estão?” como “Oi, vão à merda, vão”.

Partindo do Germano a segunda opção seria a mais assertiva.

Claro que todas as pessoas têm algum jeito que se destoa dos daqueles habituais, mas Germano há tempo estava estranho. Ficou introspectivo. E em muitas ocasiões foi pego olhando para as estrelas.

Lógico que Germano sabia que as estrelas existiam, mas do saber onde elas ficavam para a contemplação das luminosas era uma grande distância, anos-luz.

– Olha... Um meteorito! – dizia.

Os amigos cruzavam olhares. Sabiam que algo de esquisito estava por acontecer. Germano não ia mais pescar, nem bebendo estava mais. Estranho. Talvez uma meia lágrima de apenas um dos olhos do Germano.

Tudo se complicou quando Germano começou a pronunciar palavras como “Consorte”, “Fac-simile”, “Ginocracia”.

– Gino o quê? – perguntou um dos amigos.                                                         

– Deve ser uma facção desses grupos terroristas. – falou o outro.

Germano havia mudado. Era como se fosse outro dele mesmo.

No dia seguinte apareceu um homem que se sentou a mesa onde se encontrava os amigos do Germano. Pouco faltou para ouvir “Cai fora, esse lugar tem dono!”. Aos poucos os companheiros foram olhando melhor aquele homem, suas orelhas, os olhos, as olheiras. “Nossa!” – disse em espanto um dos amigos ao apontar para os lábios, os dentes, dava para ver as bochechas, as maçãs do rosto.

De fato, era Germano.

– O que foi que aconteceu? – perguntou um dos amigos.

― Paixão.

– Mas o que é isso agora Germano? – batendo com uma das mãos sobre a mesa – Paixão é igual cabeça de bacalhau, falam que existe, mas, é algo que jamais se vê.

– Sei...

– Quando foi que aconteceu?

– Quando fazia a minha barba.

– Qual o nome dela?

– Não é ela, é ele.

– Mas o que é isso agora Germano... – os três amigos em único som, mais três batidas de mão sobre a mesa, seguido de um leve levantar de corpo do assento da cadeira.

Era mais grave do que tinham imaginado. Pensaram no máximo das hipóteses, que Germano havia reatado com Nice, o que de todo modo já seria uma tragédia, mas isso, ou melhor, “ele”, era demais.

–Nós estamos aqui para te ajudar. Quando foi que isso aconteceu?

– Já falei... Quando fazia a minha barba.

– Mas vocês estavam... Como vou dizer... Saindo do banho... Nus... E ficaram se olhando no espelho...

– Ele e eu estávamos nus...

Mais três batidas com as mãos na mesa e um súbito levantar das cadeiras.

– Mas... Oooo... Como é que se diz... Caso... Isso... O caso de vocês é sério?

– Já falei, é paixão!

Os amigos queriam saber detalhes como a cor dos olhos, altura, se era moreno, loiro, se tinha carro importado ou nacional. Para qual time esse homem torcia. O time de futebol diz muito de um homem. E assim poderiam encontrá-lo e fazê-lo desistir de amar Germano.

– Não consigo para de pesar nele! – quase que enfeitiçado dizia Germano.

Era uma paixão arrebatadora.

– Um nome Germano... Qual o nome dele? – gritavam os amigos na tentativa de descobrirem quem era para uma possível queima de arquivo.

– Não há nomes.

– Quer manter isso no anonimato?

– Não é isso. É que esse homem...

Os amigos ficaram com medo de perguntar o que esse homem tinha que uma mulher não possuía.

– O que é que tem esse homem?

– É que esse homem sou eu.

Os amigos se entreolharam. Suspeitavam que Germano pudesse ter inalado acidentalmente o WD-40.

– Eu me apaixonei por mim mesmo. A cor dos meus cabelos, o formato das minhas mãos, dos meus dedos compridos, meus olhos me enfeitiçaram quando me olhei no espelho e eu só queria me beijar...

Os amigos ficaram no dilema. Não poderiam simplesmente sumir com Germano, por mais que fosse um caso de... Mono personalidade? Homo-afetividade?

Teriam que atacar onde mais o calo apertava... Na vaidade.

Perceberam uma melhora de Germano que até deixou a barba crescer novamente quando arrancaram todos os espelhos da casa do amigo, inclusive os retrovisores do carro. Assim Germano não conseguiria se apaixonar por ele mesmo, o que os olhos não veem...

Os amigos acompanham com cuidado o Germano, pois, desconfiam que possa haver recaídas, como quando pegaram-no tentando ligar para ele mesmo para simplesmente poder ouvir a sua própria voz “oi, como você está?... Estou com saudades...”.

Às vezes Germano olha para as estrelas. Parece chorar pela paixão que está em algum lugar.



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