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Michell Foitte

michell_foittehotmail.com

Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta

CRP 12/07911


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Engarrafado

Quinta, 11 de junho de 2015

Engarrafado

Não quis abrir os olhos logo após ter acordado. Aquele barulho “chuaaa, chuaaa” das ondas quebrando rente a areia servia como refresco a alma.

“Ficarei mais alguns minutos nessa inércia antes das crianças levantarem...” — Pensava.

Logo em seguida pegou-se dizendo com um sorriso no canto da boca: “ Ai que bom... Eu não tenho filhos, apenas essa gaivota que dorme de conchinha comigo.”

“Gaivota?”

Ao abrir os olhos lembrou-se de tudo. Do navio. Das pernas daquela mulher maravilhosa. Da mulher barbada... Se bem que está parte não se lembra com muita clareza. Do soco no olho... O barbudo era o marido daquelas pernas maravilhosas... Quis dizer... Da mulher com pernas maravilhosas... E por esse trocadilho, o soco, um direto de esquerda.

Lembrou-se de quando se agarrava a bóia enquanto tentava escapar de um marido com a honra ferida. Na verdade não era uma bóia, mas, um barril de chope que o manteve boiando quando saltara da embarcação... Enfim, lembrava-se de tudo.

A cabeça doía. Ressaca. Mareado.

“Deus escreve torto quando bebe direito”. Não era exatamente esse o ditado, porém, valia para santificar a sua lógica por permanecer vivo enquanto estivesse agarrado ao barril.

A gaivota se espreguiçou e em seguida voou. O naufrago olhou para os lados e a única coisa que via e tinha naquela ilha eram parcos pés de coco, um barril de chope, e um lápis em um dos bolsos.

“Meu celular!” — Lembrou. Mas nada encontrou. Provavelmente o eletrônico fora comido por alguma serpente elétrica, algum animal oceânico.

Era preciso comunicar alguém do seu desaparecimento. Mas como? — Pensava.

Não adiantaria escrever S.O.S na areia, pois, algum tempo depois o mar engoliria a escrita. Sinais de fumaça? Sem chance. Não tinha isqueiro, fósforos e muito menos saberia esfregar um graveto no outro até produzir calor e prover combustão, isso era coisa de filme — Resmungava.

Mandar um bilhete como antigamente? Sim, era possível. Dentro de uma garrafinha? Sim! Mas não havia naquela ilha garrafinhas, apenas um barril de 50 litros de chope. Pensou por alguns instantes... Teria que ser assim mesmo, o recado dentro do barril, e deixar a maré levar.

Contudo, não podia simplesmente desperdiçar o liquido tão precioso que um dia o salvou. Se fosse dessa forma, com um bilhete dentro do barril, o líquido teria que ser bebido.

Enquanto bebia aquela preciosidade divina, pensava que o barril era grande demais para mandar um mero: “socorro”. Era preciso dizer mais, como por exemplo, as características do local, a cor dos seus olhos, por quem se apaixonou... Era um imenso barril, caberiam muitas coisas escritas. Era preciso ser prolixo, verborrágico.

Começou a beber enquanto escrevia com seu lápis numa folha de bananeira.

Percebeu que a tecnologia havia-o deixado lesado. Não conseguia começar uma frase sem que o corretor ortográfico lhe desse uma mão. Quis começar com: “ Presados senhores...” Em seguida pegou outra folha de bananeira, tentou novamente com a letra Z... : “Prezados senhores...” Percebeu que havia esquecido como escrever. Ficou com medo de enviar o pedido de socorro e o barril retornar com várias correções gramaticais assinaladas em vermelho. Pior se caíssem nas mãos da tia Odília, sua antiga professora de português.

Mais uns goles.

“Prezados senhores. Peço ajuda. Estou numa ilha isolada com parcos pés de coco e um barril de chope de 50 litros. Chamo-me: João.”

Não gostando do que escrevera, pois, era barril de mais para escrita de menos, resolveu incrementar depois de mais uns goles.

“Prezados senhores. Venho através dessa missiva pedir-lhes ajuda. Estou isolado numa ilha onde há coqueiros, parcos, diga-se de passagem, entretanto, são amostras das belezas da flora deste lugar distante. Tenho companhia apenas de um barril de chope. Mui atenciosamente: João.”

Minutos depois e goles a mais...

“Amigos e amigas. Estou isolado numa ilha paradisíaca. Descobri que chope com água de coco torna-se agradabilíssimas ao paladar. Não sei cozinhar, lavar ou passar. Não pega internet aqui. Peço educadamente ajuda. Se encontrarem Clarice diga a ela que a amo. Assinado: João.”

Após mais de quinze correspondências rasuradas e dos últimos litros de chope...

“Aos interessados: Avisem Carlos, meu chefe, que não irei trabalhar nos próximos meses. Estou nu e já subi em vários pés de coco. Se encontrarem Clarice diga a ela a verdade: fui apaixonado pela irmã dela, Dora. Estou fazendo novas amizades por aqui — “não é mesmo Fernão” —, essas gaivotas são muito sabias. Peço que mandem mais alguns barris de chope e se possível com um gerador e serpentina. Obs: Enviem um dicionário também, pois, preciso reaprender a escrever, já que ainda não sei se “prezados” é com “Z” ou com “S”. No mais está tudo bem. João.”



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