Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Maria Eduarda ainda não fala. Será seu primeiro contato com a palavra Páscoa. Contudo, não quer dizer que em seu mundo das coisas visíveis ela não crie ou se aproprie dos milhares de significados a respeito do coelho e dos ovos de chocolate.
Certamente ela ultrapassará aquela construção racional no que se refere a: “essas coisas não existem”, para valores que criam significados próprios.
Significados a partir da percepção que ocorre em seu corpo, como o passar de mãos sobre a penugem macia das gigantes orelhas dos coelhos; ao sabor adocicado dos ovos de chocolate que permanecem nas papilas gustativas; das cintilantes cores das casquinhas pintadas que se recheiam com amendoins encapados.
Ela irá se apropriar daquilo que lhe for de preferência. Suas pequenas mãos apontando para algo ou num sorriso que acompanha um olhar sorridente são os atos que dão sentidos aos seus gestos e as suas palavras ainda impronunciáveis.
Seus gestos são a realização da verdade e por esse motivo não precisam necessariamente ter nomes.
Ah, mas como definir aquelas sensações boas? Como dizê-las?
Talvez seja o significado daquilo que convencionamos dizer: amor?
Ou essas sensações boas são: trocas de experiências? Ou melhor... O valor que a troca de uma experiência poderia causar em meu corpo?
A palavra liberta tanto quanto aprisiona. Entende-se nesse sentido quando lemos o texto “Uma didática da Invenção” de Manoel de Barros:
“O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia a volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.”
Guerra, amor, esperança, saudade, fome, sonho... Palavras.
Quem sabe precisamos reaprender a ver o mundo como uma totalidade imersa num campo onde se apresentaria integralmente, e assim transcenderíamos para além de uma só palavra que nos colocaria as margens como o nosso organismo e ambiente, em direção a um mundo de novas possibilidades.