Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
É quase interminável a fila, pelo menos assim parece ser, quando em determinado momento o seu começo e fim por pouco não se unem.
E a minha frente há toda uma sorte de pessoas. Gente dos mais diversos estereótipos possíveis. Comer a maneira self-service tem dessas coisas.
Observo o homem equilibrista de ervilhas que rolam pelo prato da esquerda para a direita, de trás para frente, às vezes as pequenas quase saindo pela tangente. Ufa... Que sufoco. Impossível não frear quando se está de carona. Meu corpo acompanha aquele gingado.
Lógico que existem variações dos objetos roliços, como os grãos de bico, almôndegas, ovos de codorna, azeitonas, amendoim, assim como existem variações de equilibristas, que além do prato, carregam na mesma bandeja talheres, refrigerantes, sucos, sobremesas, bolsas, sacolas, carteira, palito de dentes, molhos, cupom fiscal misturado com o troco. E quando não há mais espaço para mais nada, algo vem de pendurado entre os lábios.
Há também os indecisos, ficam na dúvida entre a cenoura ralada ou a fatiada? Purê de batata ou batata soute? Arroz integral ou o tradicional? Carne de gado ou de peixe?
Os arquitetos e engenheiros também estão a minha frente construindo barreiras de arroz em seus pratos para sustentar o caldo de feijão que ficará contido em um dos lados da barricada. Jogam azeite de oliva pelo prato e esparramam rodelas de tomates, tudo para se certificarem de que o prato é realmente aderente ou não.
Os sádicos com o garfo ou a faca esmagam, trituram, furam toda a comida.
Há os falsos magros também, que no prato escondem sob uma folha de alface do tamanho de uma vitória-régia toda a comida do Buffet.
Os decoradores enfeitam as batatas sorriso com fios de anjo, narizinho de mini-cenoura, barba de brócolis, olhinhos de pimenta. Colocam palitos nas polpetas para fazerem de pernas e as transformam em carneiros.
Os designers diagramam as fatias de queijo. Escolhem a melhor posição dos legumes, das carnes, dos molhos. Estudam as formas e as psicodinâmicas das cores e as identidades visuais dos alimentos. Geralmente comem pouco porque o menos é mais.
Os advogados pouco se interessam pela comida, estão a espreita de encontrarem algo além do alimento para poderem processar o estabelecimento e ganharem uma indenização.
Têm aqueles que se acham elegantes e comem quase nada perante os outros para manterem a forma. Depois de meia hora, às escondidas, vão à padaria mais próxima se entupirem de pão de creme com farofa.
Os desinibidos se lambuzam com comida pelo corpo, chupam os dedos, derramam refrigerantes, ingerem gordura e sobremesa, deslizam em piscinas de chantilis em seus devaneios de satisfação e assim, utilizam-se do mesmo verbo que fazem na mesa, na cama: comer.
E logo atrás dessas pessoas venho eu, um voyeur.