Civilizados

Um candidato a presidência, junto com seus assessores, estava disposto a angariar novos votos para sua possível futura eleição. Para isso elaborou estratégias de se embrenhar a busca de habitantes ainda “selvagens” do nosso Brasil.

Fotos por satélites, estudos dos relatos dos irmãos Villas-Bôas, leituras do Robinson Crusoe, tudo para identificar a localização dessa civilização não civilizada.

Meses se passaram até que o primeiro contato foi feito. Primeiro um contato visual. Algumas flechas foram lançadas em direção a comitiva. Logo depois um contato gestual através de uma mímica qualquer. Até que a primeira palavra foi trocada.

– Olá! – disse o presidenciável.

Uma resmungada do outro lado compreenderia ao mesmo feito.

– Companheiros! – exaltava o candidato – Vim até vocês, após meses de muitos estudos e dedicação, adentrando por esta floresta virgem e cheia de perigos, com insetos gigantes, plantas carnívoras. Para convocá-los a me seguirem à civilização.

– E o que seria essa tal civilização? – perguntou um dos seminus com pinturas pelo corpo.

– Ah, é algo maravilhoso. Ruas com asfalto, inseticidas, cerveja gelada, prédios e mais prédios, comida congelada...

– E essa tal comida congelada?

– Perfeita a sua dúvida. É algo que podes adquirir em mercados... E o que seriam os mercados?... É outra invenção da civilização. Mas voltando a comida congelada, é algo que podes levar para casa e consumi-la após meses deixadas em freezer.

– Para que propósito congelar algo que não se vai comer? Quando temos fome comemos, quando temos sede bebemos...

– Entendo companheiro, mas isso são apenas detalhes. A disposição dos senhores até a civilização os tornaria cidadãos.

– E qual a funcionalidade de ser cidadão? Para que isso serve?

– Para algo muito importante: os senhores poderiam votar!

– Votar no que?

– Seria mais assertivo falar em quem votar.

– Aqui os mais experientes e sábios ocupam lugares de lideres. O voto, do mesmo modo como diz o senhor, é apenas um: detalhe...

– Compreendo amigo, é que a política tem desses detalhes misteriosos inalcançáveis e fenômenos incompreensíveis até para os civilizados. Mas com o voto pode se eleger o seu representante, que através da cobrança de impostos pode te dar abrigo, alimentação, saúde, educação e outros benefícios do mundo das pessoas civilizadas.

– Mas porque cobrar através desse “imposto” algo que aqui temos gratuitamente, comida, água, vestimenta, lar...

– É que através da cobrança do imposto é o que torna o Brasileiro mais Brasileiro.

– Achamos que é justamente o contrário caro amigo civilizado. Que as imposições pelo poder, pelo dinheiro, pelo imposto, tornam as pessoas oprimidas e reféns de um bio-poder cultural e histórico, gerando um sofrimento ético-político-antropológico. Foi com esse discurso civilizado que fez com que nossos ancestrais tivessem que abandonar as margens do litoral brasileiro para ficarmos a margem da civilização. Justo nós, os verdadeiros Brasileiros.

Após as últimas tentativas de convencimento civilizados através da religião e éticas e moralismos, ao que tudo indica o presidenciável assim como sua cúpula, foram comidos pelos ditos não civilizados. Antes de ser degustado, o político falou que aquilo era coisa de canibais. O que foi corrigido pelo não civilizado que disse que, o canibalismo é algo de um comportamento predatório, muito parecido com o imposto e o voto imposto que consome o homem. O que eles estariam fazendo era antropofagia, do grego Anthropos (homem) e phagein (comer).