Caso “D”

Fui até a recepção. Um homem de mais ou menos 1.90m me aguardava. Um Sobretudo preto caia sobre aqueles ombros largos. Olhos castanhos e a pele de quem parecia estar doente ou não desfrutava do sol desse pedacinho insular. Cumprimento. “Que mão gelada — penso”. Indico a porta por onde adentraríamos.

- Em que poderia ajudar? - perguntei.

Uma ajeitadinha nas mangas do terno e a resposta em seguida:

- Estou farto das coisas que falam, escrevem, filmam sobre mim.

Fitei aquele homem durante algum tempo para identificar se a sua fisionomia me era comum. Talvez o nariz proeminente... José Mayer?... Não!... Pinóquio?... Também não...

- Não estou te reconhecendo? -  disse com certa curiosidade.

Mais uma ajeitadinha nas mangas. Uma suspirada...

- Meu nome é Drácula.

Às vezes apareciam no consultório figuras estranhas. Pessoas que se diziam serem outras pessoas, casos de dupla personalidade, duplas sertanejas, triplos, quádruplos.

Os mais recentes foram a personificação da presidente Dilma; Tratei de dar uma vaia logo após entoar o hino nacional  e a consulente estava curada, não antes dela colocar meu nome nos registros para debates no palácio da Alvorada. Teve também o homem-aranha que demonstrou suas habilidades dependurado nas cortinas, logicamente que a estrutura não aguentou o peso do aracnídeo que acabou se estatelando no chão. Já caído foi só usar o inseticida que a psicoterapia pode dar continuidade. 

- Quer dizer tudo aquilo que falam ao seu respeito não é verdade?

Perguntei e fui logo abrindo um dos botões da camisa para fazer mostrar a minha correntinha com um crucifixo. Vai saber!

- Adorei seu talismã. - disse Drácula ao apontar para o meu peito.

Continuou:

- Gosto das imagens santas, assim como vou a missa religiosamente aos domingos e, além de pagar o dízimo, dou contribuições generosas à Igreja Católica. Estamos em paz há muito tempo.

“Está de sacanagem comigo - pensei.”

- E de pizza à alho e óleo? - resolvi pegar pesado.

- Adoro pizza à alho e óleo, picanha no alho e óleo. Também gosto de cebolas, cominho e vários tipos de pimentas. Entendo a sua desconfiança. Sei que durante tempos... Tempos remotos... Precisei chupar o sangue do pescoço das minhas vítimas, mas os tempos são outros. Sou um oitocentão em boa forma e atualizado. Sou empreendedor e por incrível que pareça já salvei milhares de vidas.

- Salvou? Como assim?

- É que sou dono de bancos...

- Ahmmm... Bancos... É rico então?

- Não de bancos financeiros, mas de bancos de doação de sangue! É verdade... Sou rico também. E com minha riqueza consegui financiar tecnologias para desenvolver pílulas que fizessem meu corpo aproveitar das delícias do dia, do sol, apesar da minha pele apresentar este aspecto pálido. Assim como consegui através dessas tecnologias, dormir como um anjo à noite. Com todo esse tempo que eu tenho de vida...De morte... enfim, acumulei fortunas, amores, conhecimento. Hoje levo minhas vítimas para minha casa para seduzi-las, seduzir belas moças e no máximo elas saem com um “chupão” no pescoço no bom sentido, pois minha picada é outra se é que me entende?

Não estava crente de que aquele homem poderia ser realmente o Drácula até levá-lo em frente a um espelho que tinha em minha sala. Quando seu retrato e reflexo não apareceram não pude conter meu temor. Mas apesar do medo que eu sentia, o conde foi muito amigável. Conversamos sobre muitas coisas, inclusive sobre as preferências de um bom sangue dito pelo próprio Drácula: “ um bom tinto cabernet sangue vignon 1971 AB – .”

- Obrigado por me ouvir senhor psicólogo, qual o valor da consulta?

- “D” - disse carinhosamente por já me sentir mais familiarizado com o Drácula - a consulta é R$ 200.

Ele ajeitou as mangas, suspirou e disse:

- Seu vampiro sanguessuga.