Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Passos marcados na areia macia da praia...
Sinto a docilidade das ondas quebrando junto à orla.
Não olho às minhas costas, mas sei que a saliva marinha lambeu para sempre as minhas pegadas. E quem sabe lamberá as minhas lembranças. Sei, pois, um dia escrevemos o nosso nome próximo ao mar enquanto nos beijávamos. Um beijo molhado como a imensidão oceânica. Que um dia o mar recolheu.
Isso foi há seis meses. Mas ele se foi para sempre, vitimado por um câncer. E hoje vim cumprir um dos seus últimos pedidos antes de partir...
Ele segurava a minha mão, me olhava nos olhos e perguntou se poderia escolher entre o céu ou o mar como a sua última morada?
Disse que ele poderia eleger qualquer lugar... Então ele sussurrou... Seus olhos fecharam...
Chorei. E acho que o mar é feito de todas as lagrimas que foram um dia deixado às pessoas que tanto se ama.
Meus cabelos voam ao sabor da maresia. Em minhas mãos apenas os restos mortais dele guardados naquele pequeno jazigo em forma de vaso, que eu lançaria ao mar.
Mas algo me fez observar o horizonte. Um pequeno ponto reluzente, brilhante, que navegava pelas ondas.
Serrava meus olhos à medida que aquilo que parecia uma pequena estrela se aproximava... Aguardei por quase meia hora até aquela coisa fulgente ancorar na areia... E para a minha surpresa era...
Era exatamente o que eu irei contar agora.
O ano era 2004. E um ciclone tropical atingia algumas cidades litorâneas da costa do sul de Santa Catarina. E por motivos conhecidos, estas tempestades lançam uma quantidade imensa da água do mar por causa da força de seus ventos para dentro das cidades. E quando a fúria do ciclone se apazigua, toda uma quantidade de destroços é levada para alto mar.
Um destes lugares onde o mar atingiu, foi um pequeno cemitério que foi totalmente destruído. Por uma contingência, um ataúde recoberto por uma lamina de alumínio que havia sido enterrado dia antes da chegada do ciclone foi arrastado mar adentro. E flutuou durante nove anos antes de aportar na praia onde estava.
Quando me aproximei do caixão, consegui ler com dificuldade, as letras corroídas pelo tempo, o nome de uma pessoa.
Chamei as autoridades e estas contataram os familiares do ente naufrago.
Algumas horas depois uma mulher trazida pelo helicóptero da polícia federal se aproximava do féretro brilhante. Acho que ela sorriu antes de vir até mim e segurar as minhas mãos e me dizer que, o verdadeiro amor nunca desaparece, e nada pode apagá-lo.
Ela me agradeceu por ter reencontrado o seu marido.
E naquele dia a família enterrou pela segunda vez o pai, marido, avó, irmão, tão querido por todos.
Pensei naquelas palavras, nunca desaparece, nada apaga, enquanto o sol se colocava por de trás de um monte verde. Lancei também um pedaço de mim sobre aquelas ondas. Lancei às ondas as cinzas dos restos dele.
Escreveria na areia mais uma vez os nossos nomes.
Uma onda se aproximou e apagou as nossas iniciais. Mas deixou sobre a areia as cinzas de sua vida.